O PAICV considerou esta terça-feira, 12 de novembro, que o conjunto de acções de prevenção e combate à criminalidade anunciado segunda-feira pelo chefe do executivo é sinal de reconhecimento por parte do Governo que a situação de insegurança no país “é grave”.
Esta constatação foi feita pelo líder da bancada parlamentar do PAICV – maior partido da oposição, Rui Semedo, em conferência de imprensa, na Cidade da Praia, sobre o balanço das jornadas parlamentares para a primeira sessão plenária do mês de Novembro, que arranca esta quarta-feira.
Para o deputado, a decisão do Governo em reunir-se com os responsáveis de algumas entidades, nomeadamente o procurador-geral da República, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o conselheiro da segurança nacional, é um sinal de que as medidas que foram tomadas até então não foram suficientes para resolver a questão da insegurança.
“Todos os cabo-verdianos deverão ficar cientes que o Governo reconheceu pela primeira vez que há uma situação difícil no que tange a segurança do país, tanto é que reconheceu, que reuniu uma instância voltada para a segurança e deliberou um conjunto de medidas para resolver a questão da insegurança”, afirmou, ajuntando que o país precisa de novas medidas para fazer face a situação da insegurança que vive.
O primeiro-ministro anunciou, segunda-feira, através da sua conta oficial no Facebook, que a reunião alargada teve como foco o reforço da prevenção e combate a crimes de furto e de roubo com recurso à violência ou a armas, incluindo o tráfico interno de drogas e o uso de arma.
De acordo com Ulisses Correia e Silva, acções de prevenção e reacção, coordenação e cooperação e alterações legislativas, vão ser reforçadas através de algumas medidas.
Assim, um conjunto de “acções prioritárias” vai ser implementado para aumentar a eficácia da acção policial, judicial e da autoridade municipal, com reflexos na redução de ocorrências criminais, na redução da impunidade e na redução de oportunidades de prática de crimes.
Entre as medidas anunciadas está a revisão do regime de aplicação do termo de identidade e residência (TIR) e medidas cautelares em casos de crimes cometidos em flagrante delito e de forma reincidente e agravamento da pena na reincidência.
A revisão da lei de armas e o reforço dos meios do sistema prisional, da segurança dos magistrados e dos edifícios da administração judicial figuram entre as medidas.
Por outro lado, vai se incrementar a cooperação em matéria de análise e tratamento da informação por parte das forças policiais.
Prevê-se, ainda, actuação coordenada e conjunta da Policia Nacional, Polícia Judiciária e IGAE nas áreas mapeadas, lugares de presença ou circulação de indivíduos armados e locais de fabrico artesanal e venda de armas de fogo e munições.
Haverá, por outro lado, reforço do patrulhamento e de pressão policial (PN e PJ) nos locais de maior índice de violência, assim como reforço de rusgas e detenção para identificação de pessoas com uso da arma ou ameaça de uso de arma.
O reforço da aplicação das posturas municipais e da autoridade municipal, particularmente no licenciamento e horário de funcionamento de estabelecimentos e actividades nocturnos, na toponímia, na iluminação pública de locais mal iluminados e na eliminação de abrigos são também medidas anunciadas pelo chefe do governo.
Com Inforpress
a "pequena criminalidade", os thugs de que falava JMN em 2013/14 agora são líderes do crime, por não terem feito a ponta dum corno na governação deles ... vem agora aparecer no Parlamento esses idiotas do PAICV a sacar responsabilidade ao governo actual. enfim ...
porque desmantelaram a BAC ? esta brigada combatia de facto os bandidos em cada beco das cidades, depois de desativada o crime floresceu naturalmente!
a BAC é uma medida como outras deveria haver uma estratégia monitoramento permanente de individuos e zonas de risco.
A PN deve estar preparada para a guerrilha urbana! temos Polícia Militar ? porque não estão caçando criminosos ?
não temos experiencia com esse tipo de criminalidade urbana ? porque não pedir ajuda aos nossos amigos Israelitas ou brasileiros ?
não se faz mais porque não se quer !
2. Quando se trata de problemas sociais há dois aspetos fundamentais que devem ser considerados. Por um lado, o facto de que, por vezes, o problema vai se arrastando ao longo do tempo, tornando-se cada vez mais complexo, sem que nos apercebamos dessa sua evolução. Por outro lado, os problemas sociais nunca têm uma causa única. Pelo contrário, resultam da combinação de um conjunto de fatores. Daí, podermos afirmar que o problema da criminalidade e da insegurança na cidade da Praia – sendo um problema social – vem evoluindo há anos e tem por detrás um conjunto de causas. Na certeza de que existirão muitas outras, queremos abordar aqui apenas três causas: (i) o vazio deixado nos centros urbanos pelo desaparecimento da autoridade tradicional, em particular em relação à Praia; (ii) o aumento da pobreza urbana; e (iii) as medidas falaciosas que têm sido tomadas para combater a criminalidade e a insegurança;
3. É do conhecimento geral que, aqui na Praia, até meados da década de 90 podia-se dormir tranquilamente com as portas e janelas abertas à noite, ou até mesmo em esteiras de palha ou colchões, no terraço ou à porta da casa. Talvez, já nem todos se lembram que depois da independência, em 1975, até à abertura ao multipartidarismo, em 1990, havia três estruturas sociais que representavam a autoridade a nível dos bairros: a comissão de moradores; o tribunal de zona, com os seus juízes; e a milícia popular. Tudo isto sem contar ainda com o respeito que havia pelo estatuto do mais velho, sempre obedecido pelos mais jovens, além de uma espécie de veneração pelos idosos;
4. O facto é que a abertura democrática foi dominada por uma abordagem e ensinamento que instigava o desrespeito pelas autoridades existentes até essa altura. As comissões de moradores, as milícias populares e os tribunais de zona foram desmantelados abruptamente e, pior ainda, a sua memória e significados foram vilipendiados pública e repetidas vezes. Ao mesmo tempo em que se ouvia jargões populares estabelecendo: "oji ka tem polisia". Criou-se assim um vazio em termos de autoridade de proximidade, afrouxou-se o sistema de vigilância comunitária (comunidade no sentido de Émilie Durkheim e Ferdinand Tönnies) que vigorara até então, e os jovens passaram a se autodefinirem e a crescerem nesse ambiente novo e sem limites. Ao contrário do que alguns podem imaginar, um ambiente assim funciona como uma espécie de bomba com retardador. Explode décadas mais tarde;
Boaventura de Sousa Santos, um destacado cientista social português, tem se dedicado ao estudo da justiça popular
livro de Boaventura Sousa Santos
5. Considerado o elevado grau de pobreza verificado em Cabo Verde que é de 36% (INE-IDRF, 2015), há muitas vozes que se levantam com a tese de que enquanto houver um fulano pobre que não se enveredou pelo mundo do crime, fica provado que a pobreza não é causa de criminalidade. O recurso a esta tese é sinal de que até ainda não se chegou ao centro da questão. Dizer que em relação a um jovem pobre, a probabilidade de se tornar delinquente é maior do que para um jovem rico, não quer dizer que todos os jovens pobres vão se transformar em criminosos. Vários estudos confirmam que essa probabilidade é, de facto, maior. É suficiente anotar que os gangues de jovens delinquentes na cidade da Praia são quase que exclusivamente originários dos bairros mais periféricos e mais pobres da cidade. Praia tem quase um quarto da pobreza de todo o país, 22%! No entanto, as estratégias que têm vindo a ser apresentadas no combate à criminalidade e insegurança falham porque, estranhamente, não tomam em consideração este que é o maior problema nacional, a pobreza. São nos bairros pobres dos subúrbios que emergem os gangues e é também de lá que é a maioria da população prisional do país;
6. Em terceiro lugar, as medidas pouco eficazes que têm vindo a ser tomadas. Há dois traços comuns entre essas medidas. Por um lado, coloca-se todo o investimento na reação ao crime cometido, aumentando o número de polícias, aumentando carros e mais meios materiais. O segundo traço comum é a contínua tentativa de mascarar a realidade, característico de quem acredita que manipulando os dados estatísticos e proibindo a cobertura nos telejornais da televisão pública (TCV) seria suficiente para mudar essa realidade. As câmaras de vigilância, por exemplo, não eliminam a possibilidade de ocorrência de assaltos. Se é certo que podem ter um efeito dissuasor, estão aí também vários registos de assaltos em locais cobertos pela videovigilância, com o recurso a capuzes ou a migração dos assaltantes para as áreas sem cobertura videovigilante – presente apenas nas vias principais;
7. Assim, somos levados a concluir que os investimentos feitos falharam a raiz do problema, não atingiram o “espinho do cardisanto”, nem o “pepino”. O primeiro erro, sublinhe-se, está em considerar a criminalidade e a insegurança como sendo problemas exclusivamente policiais, quando, na verdade, são problemas sociais que, logo, exigem respostas sociais – neste caso, centradas na família e na comunidade, lá onde crescem os jovens. É evidente que um Governo que vê o apoio social às famílias como uma medida de assistencialismo a ser sempre condenada, jamais poderá perceber e aceitar o falhanço que representa o investimento só em viaturas, câmaras, armas, lâmpadas, calcetamentos, escadas e pavês. Talvez, cada família vai ter de constituir uma empresa bancável para poder ter apoio para resolver os seus problemas sociais e ajudar a construir um futuro melhor.
Links e referências bibliográficas pela ordem em que aparecem no texto:
Notícias Sapo (29 de julho de 2019), Estados Unidos emitem alerta de segurança após ataque a autarca da Praia
https://noticias.sapo.cv/actualidade/artigos/estados-unidos-emitem-alerta-de-seguranca-apos-ataque-a-autarca-da-praia
Expresso das Ilhas (31 de outubro de 2019), Embaixada dos EUA alerta para insegurança na Praia
https://expressodasilhas.cv/pais/2019/10/31/embaixada-dos-eua-alerta-para-inseguranca-na-praia/66404
Telegraph (2 de novembro de 2019), Cocaine highway. On the front line of Europe's drug war
https://www.telegraph.co.uk/news/drug-trafficking-in-cape-verde/?fbclid=IwAR09sD4s9G2zVB922t5tG2nqtKBqGbq2AqsxLNv-zQ4q1dun_WCOGePaihA
Durkheim, Émile (1978a), As regras do método sociológico. In: DurkheIm, Émile. Durkheim – Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural.
Durkheim, Émile (1978b), Da divisão do trabalho social. In: Durkheim, Émile. Durkheim – Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural.
Tönnies, Ferdinand (1995a), Comunidade e sociedade. In: Miranda, Orlando de. Para ler Ferdinand Tönnies. 1. ed. São Paulo: EdUSP.
Santos, Boaventura de Sousa (2015), A justiça popular em Cabo Verde, São Paulo: Cortez.
A Nação (24 de novembro de 2017), Pobreza extrema em Cabo Verde: cada pobre do mundo rural vive apenas com 49 mil escudos por ano
http://anacao.cv/2017/11/24/limiar-da-pobreza-extrema-pobre-do-mundo-rural-vive-apenas-49-mil-escudos-ano/
Lakshmi Iyer e Petia Topalova (2014), Poverty and crime: evidence from rainfall and trade shocks in India
https://www.hbs.edu/faculty/Publication%20Files/14-067_45092fee-b164-4662-894b-5d28471fa69b.pdf
Pinheiro, Paulo . S. (1997), Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias
http://www.scielo.br/pdf/ts/v9n1/v09n1a03
Lourenço, Nelson (1998), Delinquência urbana e exclusão social, in sub judice, justiça e sociedade, criminologia, o estado das coisas.
Cabral, Santos (1998), Espaço urbano e gangs juvenis, in sub judice, justiça e sociedade, criminologia, o estado das coisas.
https://repositorio-cientifico.uatlantica.pt/bitstream/10884/422/1/1998_Sub_Judice.pdf