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Por: Baltasar Garzón*

Baltasar Garzon 

O processo de extradição a pedido dos Estados Unidos da América, que tem lugar em Cabo Verde contra o Enviado Especial Alex Saab, continua a surpreender qualquer pessoa que o acompanhe de perto. Recapitulemos por um momento: no meio de uma guerra política, económica e diplomática entre os Estados Unidos da América e a Venezuela, Alex Saab, na qualidade de agente diplomático participante numa missão especial e humanitária ao Irão, protegida pelo direito internacional, foi forçado a aterrar para que o seu avião pudesse ser reabastecido com combustível. Suspeitosamente, o pedido do piloto foi rejeitado tanto por Marrocos como pela Argélia e foi forçado a aterrar em Cabo Verde. Em violação das regras mais básicas do direito internacional, foi detido sem respeito pela sua inviolabilidade e imunidade diplomáticas, e foi iniciado contra ele um processo de extradição a pedido dos Estados Unidos da América. Isto exigiu a fabricação de uma acusação que nunca foi sustentada e que agora também não faz nenhum esforço para se sustentar, que renuncia a sete das oito acusações que imputava. Não esqueçamos, além disso, que na altura da detenção não havia nenhum Alerta Vermelho da INTERPOL nem nenhum mandado de captura dos EUA no ficheiro de extradição.

No meio do ruído mediático, gerado por meios de comunicação semelhantes aos do país norte-americano, como na Colômbia, decidiram que Alex Saab é culpado de ser o testa de ferro do Presidente venezuelano Nicolás Maduro, de defraudar, desviar e abusar da ajuda humanitária tão necessária para a sobrevivência do povo venezuelano. Isto esquece que o verdadeiro problema deriva dos efeitos nocivos de um bloqueio e embargo criminosos. Também ignora que em circunstância alguma deve ser permitida a utilização da lei para fins políticos, por mais poderoso que seja quem a use. O sistema em causa, agora o de Cabo Verde, deve resistir a este ataque, aparentemente legal, mas que de facto não respeita nem os direitos humanos, nem a inviolabilidade diplomática, nem o devido processo de uma pessoa arbitrariamente encarcerada desde 12 de junho de 2020.

O Presidente do Conselho Nacional da Magistratura de Cabo Verde, Bernardino Delgado, afirmou que se deve resistir à pressão e que a independência judicial deve ser garantida. Na defesa do senhor Saab, de que sou membro, exigimos a mesma independência e imparcialidade e que nenhum agente dos serviços secretos, funcionários diplomáticos ou autoridades do país requerente, nem os próprios superiores dentro da magistratura, nem os meios de comunicação social destacados, façam desaparecer as garantias processuais e transformem, como receio, este processo num processo diabólico.

O linchamento de Alex Saab é escandaloso e pode influenciar aqueles que decidem ao abrigo da lei e não sob pressão externa. É acusado de corrupção, de ser nada mais e nada menos do que o alter ego do Presidente Maduro, mas não é apresentada qualquer prova. É apresentado como titular de contas bancárias, o que é falso. São inclusivamente afirmados absurdos no pedido de extradição que são falsos e manipulados, ou pelo menos conluiados por trás das costas da defesa. A estigmatização do Sr. Saab é paradigmática. Tenho de fazer um grande esforço para encontrar um linchamento semelhante na minha longa história como agente jurídico. A torrente de notícias contra Alex Saab torna difícil reconhecer a verdadeira origem deste processo circense, que não é de corrupção, mas sim de um alegado crime de conspiração para branqueamento de capitais; um crime que é mais do que questionável e que poderia quebrar o princípio da dupla incriminação em Cabo Verde.

Como se fosse um filme dos Irmãos Marx, Groucho, interpretando os Estados Unidos da América, vai a Cabo Verde e diz "estas são as minhas acusações contra Saab... e se não gostas delas, tenho mais aqui". Foi assim que aconteceu. Com as oito acusações originais de branqueamento de capitais, juntamente com a campanha de difamação nos meios de comunicação social, a Administração Trump conseguiu o que queria: prender o verdadeiro "diabo", mantê-lo na prisão em condições selvagemente desumanas e ganhar o sim à extradição em primeira instância no Tribunal da Relação do Barlavento. Agora, no segundo round perante o Supremo Tribunal, eles precisam de fazer menos barulho e ganhar a batalha com mais cuidado e contenção. É assim que se apercebem de que esta série de acusações frágeis pode, em termos factuais, equivaler a uma verdadeira sentença de prisão perpétua. E isto é algo que Cabo Verde, de acordo com a sua própria legislação, não pode assumir. A lei cabo-verdiana impõe o limite de 20 anos como a pena máxima a que pode ser condenado um indivíduo extraditado. A partir de Washington, os alarmes soaram e é quando a personificação do mal se torna sete vezes menos maléfico: sete das oito acusações são retiradas, mantendo apenas a de conspiração, que logicamente prevê uma pena máxima de 20 anos. A aritmética encaixa agora como a última peça de um puzzle de 1000 peças. A manipulação e conveniência de Washington estão no seu auge para articular esta solução: a promessa de retirar as acusações da acusação vem através dos canais diplomáticos e não através da acusação ou juízes. A promessa, portanto, não é vinculativa e tem apenas um objetivo: convencer Alex Saab a concordar em ir à Florida, esvaziá-lo de informação contra Maduro tanto quanto possam e depois julgá-lo pelo que quiserem. Ao fazê-lo, teremos assistido e participado na deslegitimação e degradação, mais uma vez, do direito internacional dos direitos humanos, das regras do devido processo e de uma condenação previamente decidida como instrumento de ataque político a um líder político que não é a pessoa em causa.

A dinâmica é impecavelmente arbitrária, mas eles não vão desistir. Até agora, tem funcionado para eles. Mas cabe perguntar por quanto tempo esta sala de desinformação, rumores, preconceitos, violações dos princípios legais básicos e violações dos direitos humanos continuará a receber mais convidados invulgares. O mais recente tem sido o marketing, regateio e descontos na acusação para garantir que o produto vende bem..., mas um Estado com o mínimo respeito pelas normas internacionais e pela justiça não o compraria.

* Membro da equipa jurídica da defesa

Comentários  

+4 # Oswaldo Lima 25-09-2020 11:12
É assim o modus operandis do império dos EUA: vejam o caso do Iraque, forjaram a existência de Armas de Destruição em Massa para a comunidade internacional legitimar o ataque dos EUA. Na Líbia foi exactamente a mesma coisa, para poderem retirar Kaddafi do poder que sempre foi um entrave ao jugo imperialista dos terroristas americanos!
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0 # Luiz Nunes 30-09-2020 21:18
A intervenção na Líbia foi do querido Barak Hussein Obama... Curioso que o todos desprezam, Donald J. Trump é o único em muitos anos que não tem buscado conflitos armados, até visitar a Coreia do Norte ele fez...
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-5 # Jóia 24-09-2020 16:39
[Por uma questão de ética deontológica o jornal tem o dever moral, para evitar quaisquer suspeitas de colaboração, submissão ou dependência, publicar os comentários dos artigos aqui inseridos e quanto mais neste caso especial e mediático onde tentativas de influência, pressão, e suborno estão presente. Espero que este meu comentário em baixo transcrito será levado em consideração e que o mesmo não seja censurado. Aliás esta é uma segunda tentativa]

Será que o jornal Santiago Magazine não está dando à equipa de defesa de Alex Saab a saber Baltasar Garzón um grande podium para repetir as suas ideias?
Um pouco mais de contenção não ficaria mal ao jornal atendendo a grande pressão mediática internacional que essa equipa já montou contra a Justiça cabo-verdiana.
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0 # Alécio Romão 12-10-2020 10:22
"grande pressão mediática internacional que essa equipa "já montou contra a Justiça cabo-verdiana" Sinceramente" Não acredito haver nada "montado contra a Justiça Caboverdiana". Poderá é haver algo montado contra a "injustiça da situação", e é reconhecido o direito de qualquer um à defesa. Aquela equipa está, dentro da legalidade, a defender os interesses do seu cliente, e ver isso como pressão "contra a justiça", seja lá qual for, é uma maneira simplista e redutora de ver as coisas.

Pressão mediática internacional está a ser sim utilizada, mas de ambas as partes, na tentativa de levar a água aos seus respetivos moínhos!
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0 # Alécio Romão 12-10-2020 10:14
Desde quando a publicação de um artigo pago, num jornal livre dum país democrático, pode ser considerado, "colaboração"! Colaboração com qué, ou com quem? Ademais, as insformações veiculadas são assinadas e assumidas pelos próprios autores / Fontes, não sendo, em parte ou na totalidade, da autoria ou responsabilidades do órgão que o veicula!

Somos assim tão medrosos, a pontos de não acreditarmos mais no livre direito à informação?
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+1 # Alécio Romão 12-10-2020 10:09
em Grande pódium está Cabo Verde, numa situação em que tem a batata quente numa das mãos, e uma frigideira com óleo fervente na outra! Até quando vamos continuar a defender o indefensável, por se tratar do Poderoso USA? Até onde irá essa palhaçada? Um povo como o nosso, que gosta de brandir a sete ventos os nossos "brandos costumes". São esses os princípios de Democracia, Liberdade e Imparcialidade postulados pela nossa tão falada "Constiuição da República?. Não sendo O regime de maduro um exemplo a seguir, entretanto os fundamentos por trás do combate que se faz pode ser consubastanciado em tudo, menos pela justiça, ou pela preocupação com a situação em que se encontra o povo venezuelano! Quem pediu a extradição de George W Bush pela situação lastimosa em que ele deixou o Iraque? E sem apresentar quaisquer provas de existência de ADM? Quem sabe quanto detentos terão sido metidos á força em aviões e levados a "interrogar" em guantánamo, longe dos "olhos" dos "Direitos Humanos"?. Aliás qual é a mais flagrante violação dos direitos de um país soberano, de que a existência dessa, em pleno território estrangeiro? Quem é responsável pela situação miserável em que vivem os cubanos? Os mesmos com "moral" suficiente para impor sanções aos outros!

Proponho um desafio. Lutemos pelo que é realmente justo, assumindo todas as consequências daí advenientes, ou calemo-nos para sempre, ante essa boda vergonhosa de arbitrariedades e de sandices descabidas! Resumindo, se queremos ser leitões então mamenos, deitados e calados, antes que se nos tire da boca as tetas do "American Dream".
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0 # Luiz Nunes 30-09-2020 21:19
Curioso que no meu caso, recebo "novos comentários" nesse artigo, mas os comentários que eu fiz não foram publicados... Também não defendo a posição do articulista que para mim é um fanfarrão e apenas está querendo ganhar no grito e não na justiça.
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+4 # José Lima Borges 25-09-2020 12:43
Concordo consigo, não sei se é por lapso ou se foi um lapso propositado. Por duas vezes fiz comentário sobre a notícia, nenhum foi publicado.
Precisamos de meios de comunicação livres no verdadeiro sentido da palavra. A nossa rádio e televisão estatal se fossem independentes já teriam abrir as suas antenas não para o público pedir a música do seu agrado, mas para lançarem debates construtivas, dando vozes não só aos doutores mas também aos cidadões que pagam os seus impostos.
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+14 # Daniel Carvalho 23-09-2020 17:05
Esse assunto já está esgotado. Não há como o homem ser extraditado, mesmo que o supremo vier a alinhar com o Tribunal de Relação de Barlavento. O processo parece estar de tal modo inquinado de vícios insanáveis que o seu destino final afigura-se evidente.
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0 # Alécio Romão 12-10-2020 10:26
Esgotado deve é estar o detento! Se o processo não ata nem desata, e ele continua preso, isto pode não ter se esgotado da maneira que o Sr parece sugerir! eu só espero é que o homem não morra! Aí sim é que o caldo haveria de entornar! Quaisquer que fossem os factos, seriam suspeitos e manchariam para sempre o nome de Cabo Verde (com com este caso anda já muito beliscado em certas esferas) na Cena Política internacional!
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