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Por: Cipriano Fernandes

“Em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.”

Cipriano Fernandes 

Cabo Verde não precisa de um Estatuto Especial para a cidade da Praia. Especialmente nesta altura.

Este assunto do Estatuto Especial para a Praia é um grande pepino que alguns políticos desavisados criaram para si mesmos quando o inscreveram na Constituição. A prova está no facto de, tal como a regionalização (tantas vezes prometida por eles aos cabo-verdianos), nunca foi possível concretizá-lo até hoje.

E tem sido, desde que ficou plasmado na Carta Fundamental, um factor extremamente divisivo e desnecessariamente polarizador na sociedade cabo-verdiana, turvando e envenenando o diálogo social inter-ilhas que é essencial (quando saudável) para a construção da harmonia e progresso do nosso arquipélago.

Por mais que nos doa reconhecê-lo, a nossa nação é e sempre foi fraturada, histórica e socialmente. E o nosso país sempre padeceu de severos desequilíbrios regionais naturais e muito poderosos, aos quais devemos estar permanentemente atentos, sob pena de o desenvolvimento harmonioso e apaziguador dos espíritos se tornar uma quimera.

A grandeza e o peso relativo de Santiago, evidentes no facto de concentrar mais de metade da população e pelo menos 70% da produção de riqueza nacional, são hoje o maior factor de desequilíbrio nacional. E assim vai continuar por muito tempo.

Ora, parece-me por demais evidente que, em boa consciência, não se poderá nunca fugir a esta realidade em qualquer programa de infraestruturação do país, porque os investimentos públicos são primeiramente para atender às exigências de desenvolvimento nas partes do território ONDE VIVEM as pessoas. Por esta razão é que ninguém, em seu perfeito juízo, defenderá hoje e no futuro próximo, a construção de infraestruturas físicas, tanto sociais como económicas em Santa Luzia…

Ora, se é em Santiago que vive a maioria da população do país, evidentemente a parte maior do investimento público para a construção de infraestruturas físicas potenciadoras de mais desenvolvimento deve ser feito em Santiago. (Isto parece óbvio e indiscutível. Infelizmente, não tem sido bem assim, bem feitas as contas. Porém, tais contas são de outro rosário, que conto poder abordar detalhadamente em futuros textos…)

Por esta razão é que quem inscreveu o Estatuto Especial para a Praia na Constituição da República o fez desavisadamente, para grande prejuízo da Nação, uma vez que o desafio sempre tem sido, e vai continuar a ser, como compaginar as exigências naturais de Santiago com as aspirações e expectativas naturais das outras ilhas. Sendo esse um acto de equilibrismo político e económico extremamente complicado e difícil, só mesmo muita desatenção e descuido poderiam possibilitar a inscrição de um Estatuto Especial para a Praia na Constituição da República, por um lado escancarando uma ferida oculta e, por outro lado, colocando sob um escrutínio de permanente desconfiança, por parte dos cidadãos das outras ilhas, qualquer investimento público que se faça em Santiago, por mais natural, justo, merecido e de bom-senso que seja.

Portanto, o que devíamos estar a debater hoje, bem vistas as coisas, é como retirar tal coisa da Constituição, onde nunca devia ter entrado. Esse simples facto contribuiria sobremaneira para diminuir a tensão social que caracteriza este assunto e o da regionalização, outro ponto da agenda, infelizmente recorrente, dos dois partidos do arco da governação.

Isto porque um Estatuto Especial, para ser efectivo tem que significar transferência de recursos financeiros: DINHEIRO! (Quem diz Estatuto Especial, pode também dizer novas Regiões Administrativas…)

Ora, dinheiro é tudo o que Cabo Verde nunca teve e tão pouco vai ter nos próximos anos, sobretudo se considerarmos o tal “novo normal” decorrente da pandemia do COVID-19.

Por outro lado, transferência de mais dinheiro público para as mãos da actual administração da Câmara Municipal da Praia é, hoje, a última coisa que deve acontecer, pelas seguintes razões:

Há mais de sete anos que ninguém tem conseguido saber exactamente o montante e o paradeiro das verbas da arrecadação do IUP no Concelho da Praia, desde que o Governo do PAICV fez vista grossa e permitiu a concretização do aumento em 200% desse imposto, decidido pelo então Presidente da edilidade. Todos nós podemos facilmente fazer umas contas de cabeça e constatar que nestes sete anos muitas centenas de milhares de contos entraram para os cofres municipais. Nunca houve uma fiscalização independente dessas receitas (logo, do seu efectivo paradeiro) porque o PAICV não o quis fazer quando tinha poder para tal, e porque com a ascensão do MpD ao Governo da República, tal prestação transparente de contas entrou em total curto-circuito e conveniente blackout.

Há dossiers que clamam por inquéritos rigorosos e independentes sobre a gestão do Concelho da Praia nos últimos doze anos em decorrência do famoso slogan “Praia tem solução” de 2008, com o qual o MpD ganhou as eleições autárquicas desse ano e se catapultou mais tarde para o Palácio da Várzea. O maior desses dossiers pendentes é o do Mercado do Coco. Estimativas por baixo apontam para um buraco de 1 milhão de contos para construir um “equipamento” que hoje nos envergonha a todos, sobretudo ao MpD, que desesperadamente tenta “descalçar a bota”, tendo até sido aventado recentemente passar a conclusão desse mercado para a responsabilidade do Governo da República. É claro que se o Estatuto Especial for concretizado nesta altura, isso seria facilmente conseguido…

Apesar da avultada arrecadação do IUP nos últimos sete anos, a Câmara Municipal da Praia vem se endividando pesadamente. Em 2016, nas vésperas da última eleição autárquica ela, já com uma dívida que então chegava a 4 milhões de contos, contraiu junto da banca outro empréstimo de 190 mil contos! E é necessário não esquecer que o IUP, para além da óbvia arrecadação financeira que significa (repito, de centenas de milhares de contos por ano), é igualmente um poderoso avalista da CMP junto da banca, sempre que ela resolve contrair mais um empréstimo. De modo que podemos estar claramente perante um círculo vicioso muito perigoso, em que a espiral de endividamento teve tudo para sair fora do controlo de 2016 para cá, pela facilidade que a CMP acabou por ter ao apresentar o potencial de receitas do IUP como garantia.

Cabe pois, ao PAICV, como Partido político responsável que historicamente é, atentar profundamente para estes factos antes de embarcar na aventura letal de dar o seu aval ao Estatuto Especial (ainda por cima nesta conjuntura do COVID-19), antes que consiga saber, de fonte fidedigna, a quantas anda a situação financeira do Concelho, que hoje tem todo o aspecto de ser assustadora, porque foi-lhe permitido apodrecer em segredo durante todos estes anos.

Esperemos que o PAICV tome a decisão correcta e tenha também a coragem para corrigir a sua própria trajectória histórica neste assunto do Estatuto Especial. Em vez de ser concretizado, e agravar muito mais ainda a situação de ressentimento e alienação das gentes das outras ilhas e sem garantias de que signifique realmente uma transferência significativa de recursos (sobretudo neste tal “novo normal”), precisa ser retirado com urgência da Constituição da República, pois enquanto aí permanecer continuará a prejudicar a ilha de Santiago, seja porque nunca houve coragem política, nem recursos para o concretizar, seja porque cria entraves reais e imaginários poderosos ao investimento que deve ser feito em toda a ilha.

Não é só Cabo Verde que NÃO precisa de um Estatuto Especial para a cidade da Praia. A ilha de Santiago também, por estranho que pareça.

(continua…)

Artigo publicado pelo autor no seu blog https://nanindipala.net/cabo-verde-nao-precisa-de-uma-capital-com-estatuto-especial-i/?fbclid=IwAR0j90T3WQNej_x85pmo6VXezAY4b17tVhxGDXwRjwD-h7dEH_3Nc64SUPA#disqus_thread 

Comentários  

+2 # Teófilo Soares 08-07-2020 09:48
Estamos perante uma opinião muito bem fundamentada e, eu confesso, defendia o estatuto especial, mas perante as varias mazelas que tenho constatado na gestão da nossa capital, cheguei à conclusão que os problemas que existem hoje, não se resolvem com o simples estatuto especial. verdade que esse instrumento só vai servir para aguçar ainda mais o ódio daqueles que sempre foram contra a capital e que nutrem um profundo espirito bairrista. O problema da Praia é pura e simplesmente má gestão dos recursos que tem disponivel. Este problema vem desde os tempos da primeira republica e vem-se agravando com a corrupção que se instalou e estendeu as suas raizes por tudo quanto é instituição. É umq pena que os dois maiores partidos que geriram a câmara estão todos eles atolados e comprometidos, diria que têm o rabo preso. Nem é preciso ir muito lone nem profundo nas questões. Precisamos de discutir, debater e respeitar opinião contraria. Caro Cipriano Fernandes, apreciei, é uma pena que muitos, lendo, não conseguem apreender a profundidade da sua reflexão e centrar-se no âmago da questão. Um bem aja e escreva sempre.
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+1 # Luiz Silva 08-07-2020 09:44
A Praia actual esta' a arrebentar pelas costuras e em vez dessa fuga em frente pedindo estatutos especiais e verbas ela merecia uma reflexão diferente. Ha' um certo fanatismo nesta questao, um modelo clubista, que prejudica a propria Praia e Cabo Verde. E os maiores defensores deste estatuto sao os novos ricos (ninguém sabe como se enriqueceram) encostados num falso nacionalismo praiense para enganar os incautos. Para o bem da Praia devia-se pensar diferente. Porque concentrar tudo na ¨Praia? O mal começa por esvasiar o interior de Santiago e depois as restantes ilhas que conhecem um despovoamento total. Até as elites das ilhas foram obrigadas a imigrar para a Praia o que até prejudica o cidadão modesto da Praia. Isso cria uma relaçao conflitual entre praienses e emigrantes das ilhas. Devemos, sim apostar da descentralizaçao e não concentrar tudo na capital.
A Naçao exige um grande debate nacional e não mais previlégios para a Capital.A Naçao precisa de unidade e urge uma Reforma do Estado, visando a Justiça, a economia, a emigraçao, a descentralizaçao, o despovoamento do interior de Santiago e das outras ilhas. Pode ser até necessario um estatuto especial para as ilhas mais pobres. Mas sem um debate nacional que não exclua os emigrante ninguém vai salvar das consequencias que certas decisoes estão a criar e a dividir os caboverdianos.
A experiência recomenda ao Ulisses para travar esse projecto que vai dividir o pais e acelerar a queda do MPD nas outras ilhas. Parabens ao Cipriano por esta prova de amor a sua ilha e a Praia, em especial.
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-4 # Enemy 08-07-2020 09:21
estatatuto especial pa praia pamodi
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-1 # Soluçon Lunática 08-07-2020 08:53
Também sou absolutamente contra o estatuto especial para a Praia. Porquê?
Dizem os seus defensores que é para ajudara resolver os custos da capitalidade e os graves problemas da Praia, mas senão, vejamos:
1º- Neste país, que se diz democrático, todas as regiões devem ser tratadas de igual para igual.
2º Os graves problemas que a Praia tem, foram cridos, pela excessiva concentração da atenção pública na Praia.
Dotar-la de estatuto especial, significa dar mais dinheiro. Ora, se a Praia passar a ter mais dinheiro, aumentará ainda mais a sua capacidade de realização, isto vai atrair ainda mais pessoas para a Praia, o que significa que os problemas vão se aumentar ainda mais. Portanto, é absurdo!
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0 # André Maíz 08-07-2020 03:36
Tem muita graça esses serviçais de partidos políticos que não deixam fluir o pensamento livre. Depois, nos seus partidos falam de démocracia. Agora até chamam um praense de nutrir ódio à Praia. Ai fanatismo! Nas vésperas de assacar o poder ai povo, Praia précisa de tudo. Que pouca vergonha!
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+1 # Maira 07-07-2020 23:50
É interessante ouvir falar tanto em custos da capitalidade, sem nunca se ouvir falar das vantagens económicas da capitalidade! Toda essa gente das embaixadas, consulados, missões diplomáticas, congressos, visitas de Estado, etc. etc., todo esse povo com poder de compra que vive na Praia só por ser capital (até os de[censurado]dos profissionalizados não sei porquê) a pagar para viver e comer na Praia. Todo o IUP dessas mansões e os empregos que foram gerados para as construir. Todas as ajudas da China (!!!) e mais outras canalizadas abertamente ou sorrateiramente, quando podiam ajudar, noutras ilhas, a descentralizar, a criar serviços e estruturas que servissem para fixar os filhos das ilhas nas suas ilhas. Todos os formados no ensino superior das outras ilhas, que têm de ir para a Praia para encontrar um emprego compatível! A capitalidade, no caso de Cabo Verde, e do modo como tem sido gerida (como de terceiro mundo e não como as capitais de muitos países avançados que se contentam em ter tamanho reduzido e em não açambarcar tudo que se move e tem valor) não é uma desvantagem. Os benefícios parecem exceder em muito os possíveis custos, pois dinheiro gera dinheiro e a água corre é para o mar! Não deitem poeira para os olhos dos coitados das outras ilhas, dizendo que o EE é por causa dos custos da capitalidade. Isto, é conversa para boi dormir!
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+3 # Neves 07-07-2020 23:37
Alguns comentadores realmente são impagáveis! Se alguém de São Vicente disser isto, é porque têm ódio à Praia, etc. etc. Se um praiense o diz, é traidor, decepciona os amigos, etc.... Vê-se bem que a liberdade de opinião ainda não chegou lá, e como as opiniões, por muito honestas e justas que sejam, são avaliadas. Nesta terra, nunca é possível ter uma discussão franca e elevada, baseada em argumentos, porque haverá sempre baixesa à mistura. Quem tem algo a contribuir tem de pensar duas vezes antes de opinar, se não quiser receber comentários baixos e estúpidos. Por isso continuaremos sempre atrasados, só avançando em basofaria balofa.
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-4 # Pinto 07-07-2020 22:06
So quem é contra Praia diz uma bobeira dessa. O ódio e a inveja vos deixa cego. Todo capital tem o seu custo , que deve ser suportado pelo estado. O estatuto especial paraa capital de Cabo Verde é merecido e urgente.. uma pessoa seria e comrpometida com cv não emite opinião vulgar como a sua "cipriano". Vocé não disse nada a cerca da zona exclusiva atribuida a sv. Sabe porque, porque é desleal consigo mesmo. Sou a favor
e subscrevo aquilo que Jacinto Abreu dos Santo, disse .
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0 # José 08-07-2020 09:53
Sr Pinto, qual foi a sua reação aquando dos chumbos das três propostas desse estatuto por parte do MpD? A questão que se coloca é sobre a coerência, o timing e as verdadeiras intenções o partido do governo. Praia não merece só o estatuto especial mas sim também de edificação, por parte do governo, de obras estruturantes para fazer face às suas características e responsabilidades típicas de capital de um país.
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+1 # Bento 07-07-2020 21:40
Como EE, a Cidade da Praia devia ter:
1-Um.hospital publico com numero de camas de pelo 10% da sua populaçao;
2-Ter um numero de agentes de segurança publica superior ao numero de crimes praticados;
3-Ter uma malha viaria asfaltada em 60% das suas ruas;
4-Ter uma zona verde superior a 10% do seu territorio;
5-Ter pelo menos 400 pracas publicas com wifi;
6- Ter pelo menos 20 espaço de campismo gratuito;
7-Ter pelo menos 1 urinol publico em cada bairro;
8-Ter pelo menos 100 lavabos publicos na cidadde
9-Ter pelo menos 3 terminais de hiaces n9 circular;
10-Ter mais investimentos reais e menos dinheiro para viagens e festivais dos porcos de fatos.
Vamos la aprovar isto.
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+1 # José 07-07-2020 21:20
Excelente! A Praia não merece este estatuto pela maneira como o MpD está apresentá-lo. É lura esperteza e manobras do MpD nas vésperas das eleições. Antes as propostas do Ldo PAICV não serviam mas agora é chamado ppara votar. Se este estatuto passar o PAICV nunca mais chegará ao poder.
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-1 # A. Andrade 07-07-2020 21:13
É impressionante como, rapidamente, se levanta "profeta" querendo determinar os trâmites da constituição, propondo anulamentos, etc...e, o mais grave, fazendo-o em nome da ilha de Santiago. Só visto!
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0 # Colundjul51net@hotm 07-07-2020 19:38
Força . Que coragem. Bem dito.
Cmpts.
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-4 # SÓCRATES DE SANTIAGO 07-07-2020 19:09
O nosso Cipriano Tavares escreve muito bem, levanta até algumas questões pertinentes, dignas de serem anotadas. Porém, SER CONTRA A APROVAÇÃO DO ESTATUTO ADMINISTRATIVO ESPECIAL PARA A CIDADE DA PRAIA, É DE BRADAR AOS CÉUS. Fico triste ao ver um PRAIENSE a fazer o absurdo papel do SOKOLS 2017, de S.Vicente, um grupo de anarquistas declaradamente contra PRAIA e SANTIAGO. Ó Nanin, rapazinho de Vila Nova, irmão do meu amigo Lu di Pala, ISTO NÃO ESPERAVA DE TI.
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0 # Di ferias 07-07-2020 18:56
Tem muita razão meu caro. A meu ver a idea de Regionalização, de Estatuto Especial para Praia bem como demais outras parecidas tem como base "o regionalismo e um certo racismo na sua base exacerbada". As ilhas e os concelhos nunca serão iguais e nunca terão o mesmo índice de desenvolvimento devido às suas próprias características económicas, geográficas, sociais, culturais, potencialidades, etc, etc. E é por isso que defendo a alocação de meios financeiros nacionais com base num único critério:peso ou índice populacional de cada ilha e concelho dentro do contexto nacional e viradas para as potencialidades das ilhas e concelhos.
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