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Por: Rui Araújo

Rui Araujo 

Como consultor Jurídico que fui do Património do Estado asseguro que este departamento cumpriu a missão de defender a propriedade imobiliária pública com o máximo respeito pela propriedade e posse dos privados.

Isso será demonstrado em outro lugar, numa análise séria relativa às indemnizações na ilha da Boavista.

Não sou e nunca fui, durante esse tempo, advogado de ninguém em particular. Seria anti-ético, mas se o tivesse feito estaria riquíssimo hoje ou teria, pelo menos, casa própria, carro, previdência social e uma reforma.

Posto isso, passo a falar do assalto e arrancamento das 4 primeiras folhas no livro de matrizes prediais rústicas da Praia. Repito que não é “meu foco” o processo-crime: A minha análise é de ética e de cidadania e, portanto, ultrapassa os factos estritamente criminais, sujeitos, como se sabe, a prescrição (não sei nem me interessa saber se é o caso).

Primeiro, breves explicações úteis:

O documento que leva particulares e autoridades, incluindo juízes, a partir do princípio de que quem o tem a seu favor é titular do direito que nele está referido é o registo predial que, como já sabemos, envolve a descrição do prédio e a inscrição de direitos diversos sobre o prédio descrito.

Esse documento apenas leva a presumir (até prova em contrário) que o direito inscrito foi adquirido pelo titular. Mas a aquisição em si dá-se por compra, doação, herança, usucapião, etc., etc. e só depois se regista o que foi adquirido.

É certo que quem tem o direito deve matriciá-lo. Mas isso para efeitos fiscais, isto é, de pagamento de impostos.

Quem quiser vender o prédio, rústico ou urbano, tem de primeiro regularizar os impostos na matriz.

Já vimos que Fernando Sousa arrematou dois prédios – 5.779 e 5.780 – e logo tratou de aumentar a área dos mesmos pelo mecanismo fraudulento da retificação, de modo a ir cobrir mais 3 prédios e tal: o 3.561, o 3.562, o 5.210 e parte do 18.218, ficando com cerca de 80 vezes a área do “Plateau”. Asssim, precisava duma matriz abrangente de todos esses prédios. Mas, estranhamente, não a pediu na altura!

Poderia haver várias razões imagináveis: a exemplo, porque iria pagar muito mais impostos; e porque podia esperar para quando se começasse a expansão urbana da Praia regularizar tudo e avançar para a especulação urbana, evitando “dar bandeira” da fraude de imediato.

Nas primeiras vendas do prédio alargado (o 5.780), em 1994 ou 95, foram usadas várias matrizes, em alguns casos sem correspondência nenhuma ao prédio 5.780.

Não haveria grande perigo de suspeitas: eram vendas numa localidade erma e desconhecida, de que os notários e conservadores podiam nem ter ouvido falar. Ademais, o registo falsificado referia-se a uma confrontação com a orla marítima, que praticamente só podia ser essa zona. Mais ainda: sabe-se que era e é frequente não haver total conicidência entre o registo e a matriz (por razões que em outro lugar explicarei).

Também seria normal que os notários e conservadores nem se apercebessem da retificação em fraude do 5.780: a certidão do registo predial que se apresenta ao notário não traz todo o histórico do prédio, isto é, toda a descrição de como se chegou ao registo atual, mas só a situação atual. A própria conservatória dos registos só lida com o último dado, até por não ser preocupação dum conservador – que não é juiz dos seus antecessores – julgar da legalidade do processo anterior.

Mas o caso seria diferente quando se pensasse em avançar para a ousadia de tomar Palmarejo Pequeno e Terra Branca, há muito com urbanizações em curso. Aí, para notários e conservadores admitirem o registo do prédio 5.780 em nome de F. Sousa como incidindo sobre essas zonas todas, teriam que rejeitar o registo do prédio 5.210 em nome da Câmara Municipal que vinham usando.

Apesar do sucesso obtido no período experimental, seria agora necessária, no mínimo, uma matriz “tiro e queda” para o 5.780 alargado e invasor, que afastasse a hipótese de quaisquer dúvidas. Mas... muito difícil, para não dizer impossível, para um funcionário probo e cioso ds suas funções! Algo de muito extraordinário teria de ser feito, quem sabe no sentido de envolvimento das autoridades políticas.

E fiquei de queixo caído quando li na acusação do MP que, em carta de 10. 10. 97, dirigida ao Primeiro-Ministro com conhecimento ao Presidente da Câmara Municipal da Praia, o advogado de F. Sousa, Dr. José Carlos Dantas da Cunha, pedia uma reunião com o Governo dizendo o seguinte:

- Que o assunto tinha “problemas de ordem política, financeira e social que ultrapassam a Câmara Municipal” (um assunto de terrenos!!!...);

- Que ... “Esclarece-se que nos referidos prédios, desde ocupações, vendas fictícias parcelares e outras situações de juridicidade duvidosa, de tudo um pouco existe e pretende-se desde já definir legalmente os factos”.

O advogado tinha, pois, a plena noção de estar a patrocinar uma fraude! Espero que, no mínimo, tão atrevida carta tenha ficado sem resposta e tal reunião nunca se tenha realizado!

Já em 15 de março de 1986 eles tinham proposto ao Governo de Pedro Pires a venda de cerca de 2000 hectares (80 “Plateaus”) da cintura urbana da Praia, em carta que, parece, terá ficado sem resposta.

Os livros de matrizes passaram para a Câmara da Praia em 1999 (como previsto desde lei de 1992) e o livro n.º 1 foi assaltado ainda nesse ano e, arrancadas e adulteradas as 4 primeiras folhas, pariu-se a matriz 1.105. A tal!!!. Isso numa altura em que o Partido da Renovação Democrática de Jacinto Santos e Simão Monteiro estava de costas para o governo.

Jacinto Santos, edil desde 1991 a 2000, que esteve à testa do assunto, defendendo ardorosamente os interesses de Fernando Serra, como se apercebe dos termos da acusação do Ministério Público, sabia perfeitamente que Palmarejo Pequeno, 5.210, era da Câmara Municipal.

Tenho à minha frente uma certidão emitida em 31 de março de 1992, a pedido da Câmara Municipal da Praia, em que a Ajudante dos Registos Porfíria Freire certifica que o prédio denominado Palmarejo Pequeno, descrito sob o n.º 5.210, estava inscrito em nome da Câmara Municipal da Praia – assim como refere também os prédios 18.218, o 18.220 e 2.255, que estão no mapa anexo.

Tudo estava clarinho na certidão que vinha sendo usada – a do prédio 5.210 envolvendo de Palmarejo Pequeno a Terra Branca.

Veremos que em 2017 tudo foi comprado aos herdeiros de Fernando Sousa, incluindo o que já pertencia há muito à própria Câmara Municipal, livrando àqueles de dificuldades que já pairavam no ar.

Prejuízos urbanísticos incalculáveis já estavam causados, como havemos de ver, nomeada e provavelmente em termos de criminalidade urbana, com bairros degradados de construção clandestina.

Termino com uma verdade de sabor amargo quanto à minha posição sobre a propriedade de Palmarejo Pequeno e Terra Branca.

O Dr. Vieira Lopes falou-me da generosidade que teria levado à insolvência esse “mulato atrevidamente rico” que era de João de Deus.

Pergunto-me: teria ele realmente tirado de seu bolso, nos idos anos de 1925, a quantia de 2.342.500$00 (dois milhões, trezentos e quarenta e dois mil e quinhentos escudos) para obras sociais específicas na Praia, em Santa Catarina, Tarrafal, S. Vicente, em Santo Antão, em S. Nicolau e na ilha do Fogo, que estão referidas no BO n.º 45, de 7 de Novembro de 1925?

Fiquei impressionado pelo valor exorbitante para a época e pelo caráter social das obras. Pensei que sendo assim ele amava Cabo Verde e talvez merecesse o seu nome em ruas de algumas ilhas. Seria um caso a investigar.

Mas quis o destino que por dever de verdade (como a vejo) eu viesse ter esta posição. E tenho-a por duas razões:

- Porque não se vê - diferentemente do que acontece com o 3.561 e 3.562 - qualquer registo de Palmarejo Pequeno (5.210) em nome dos Tavares Homem; e

- Porque o simples facto da posse da Câmara Municipal, que durante tantos anos após a Independência valorizou com projetos e realizações o terreno, sempre justificaria em 1999 a sua propriedade sobre o mesmo.- 

Mas... tudo dado de bandeja a Fernando Sousa e seu grupo nacional comandado por Naná?!... Recuso-me a dizer que ou há moral ou comemos todos!

 

Comentários  

-1 # Luiz de Pena 08-07-2020 08:57
senhor luiz de pina, se as coisas são tão claras como diz porque se arrancaram 4 folhas da matriz e mudado o registo? porque o registo não está no livro, mas apenas nos seus leilões? o senhor parece que é daqueles que vendeu o monte de jorra quando trabalhavas com um dos larápios.
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+1 # Bia 07-07-2020 23:16
Eu não sei o que o Luis de Pina quis dizer, mas posso imaginar que foi só ofender Rui Araújo. Eu acho muito bem não publicar e até acho que alguns comentários só para ofender podiam não ter sido publicados, mas é sempre complicado.
Quanto a António Vieira ele está a confirmar que Fernando Sousa invadiu o 3.561 e o 3.562, mas diz que não eram de João de Deus. E o registo o que é que diz?
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+1 # Luiz de Pina 07-07-2020 20:53
Santiago Magazine para proteger o Gonçalo Amarante e o Rui Araújo não publicou o meu comentário. Ofendi alguém. Repito Gonçalo Amarante foi condenado oficialmente. Já foi ao Tribunal em 1991, porque tornou se militante e depois dirigente do MpD. Antônio Vieira com uma pergunta deitou abaixo toda a tese do Rui Araújo.
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-1 # Silvério Marques 07-07-2020 20:49
Senhor Rui Araújo. Sabia que nos dois processos sobre este assunto que estão nos Tribunais, o Jacinto Santos e a Câmara da Praia não são arguidos. Tem uma excelente oportunidade faça a queixa no Tribunal.
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+1 # Herois do Nada 07-07-2020 17:14
Sobre essa questao do roubo massisso de terrenos caberà perguntar:
1- Onde estarao os partidos da Oposiçao??? Onde està o PAICV e o que tem para nos dizer??? Onde estarà metido a UCID?? - Desta vez nem o Dr. Amandio Barbosa Vicente nao quer levantar a bandeira do Povo e ser porta-voz das familias sem terra enquanto os Senhores Donos disso tudo comem tudo e nao nos deixam nada??

2- - Para que servem os partidos e os seus De[censurado]dos???

3- Sobre a possibilidade da Procuradoria Geral da Republica resolver o problema desta mafia. 
Devo-lhes dizer o seguinte:

1. Nada vai mudar em Cabo Verde com este leak. 
2. A mafia dos terrenos e apenas uma ponta do iceberg. 
3. A maioria dos caboverdianos nao tem minima noção do que se passa no nosso torrao. O que vem na comunicacao social nao chega 1% da real mafia em CV.
4. Como vao resolver os problemas da mafia se os cverdadeiros chefoes sao os advogados, juizes, procuradores, politicos, policia e uma franja da sociedade civil bem treinada. 
5. A sociedade caboverdiano esta completamente esfrangalhada... Cabo Verde perdeu identidade a muito tempo. Ou seja, perdemos a bussola. Salve quem poder.

Isto é, de facto, uma GRANDE MÁFIA, LA COSA NOSTRA CABO- VERDIANA.

De[censurado]dos???? Eleitos pelo Povo??? Tribunais??? Justiça??? Transparencia??? Direcçao Geral do Patrimonio do Estado??? Presidencia da Repùblica??? - Tudo ilusao. Tudo vai terminar em NADA DE NADA.
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+1 # jorge Abreu 10-07-2020 10:43
Falou e disse toda a verdade. Há graudos nestas máfias e torna-se dificl combater o SISTEMA. para tal temos que pedir apoio internacional para uma investigação séria e celere. Mas quem pede se.todos estão envolvidos.?
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+1 # Daniel Carvalho 07-07-2020 16:00
HISTÓRIA VIVA, sim. Estou convencido que no final disto tudo, nada vai ficar como de antes. Aliás, de uns tempinhos para cá, já as coisas não estão iguais. Para alguns, parece que já nada tem o mesmo prazer e gosto. O prazer do sono não deve ser o mesmo, nem o aroma do jardim deve ter a mesma dose de oxigénio. Vamos prosseguindo Dr. Rui que já não é possível parar.
Caro Pedro: Eu estou condenado a acreditar, ou pelo menos fingir acreditar na nossa procuradoria, pois caso contrário, vejo à nossa frente um precipício imparável. E confesso-lhe que as suas informações deixaram-me absolutamente perplexo. Mas preocupadíssimo também.
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+1 # Antonio Vieira 07-07-2020 13:41
Nhu Rui Araújo nhu explica kal kê propriedade de J Deus Tavares Homem.
Si 5779 e 5780 ramatadu.
Si 3561 bendedu em 19 de Oitubro de 1907 pa Ntoni Gil Tavares Homem e mudjer, Luiza Lubrano Tavres Homem e J Deus Tavares Homem a Augusto Fructuoso Figueiredo Barros. Si 3562 pertence a Cândida Carvalho Silva (proima de J Deus Tavares Homem e de António Gil), casada ku Francisco Marques da Conceição, morada Santa Comba Dão, Portugal. Nhu pode explica kal kê terreno de J Deus Tavares Homem ki Fernando Sousa toma.
Nhu esteve na Patrtimoniu só ta ngana e meti Stado na confusson.

Ês Gonçalo Amarante ê mesma pessoa ki Felisberto Vieira Lopes na acusação ta tchoma de infiltradu? Kel mesma pessoa ki corredu ku el di estado pa furtu?

Paxenxa

Nhu Remígio
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+1 # Pedro 07-07-2020 12:45
Para os comentadores que falam sempre na possibilidade da procuradoria resolver o problema desta mafia.
Devo-lhes dizer o seguinte:
1. Nada vai mudar em Cabo Verde com este leak.
2. A mafia dos terrenos e apenas uma ponta do iceberg.
3. A maioria dos caboverdianos nao tem minima noção do que se passa no nosso torrao. O que vem na comunicacao social nao chega 1% da real mafia em CV.
4. Como vao resolver os problemas da mafia se os cverdadeiros chefoes sao os advogados, juizes, procuradores, politicos, policia e uma franja da sociedade civil bem treinada.
5. A sociedade caboverdiano esta completamente esfrangalhada... Cabo Verde perdeu identidade a muito tempo. Ou seja, perdemos a bussola. Salve quem poder. Abraco a todos.
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+1 # SÓCRATES DE SANTIAGO 07-07-2020 10:00
Isto é, de facto, uma GRANDE MÁFIA, LA COSA NOSTRA CABO- VERDIANA.Força e coragem, meu caro Rui, ficamos à espera dos próximos capítulos.
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+1 # Peletxa 07-07-2020 07:41
Mais um artigo excelente. aconselho-o a escrever um livro sobre isto: direitos e registos fundiarios em CV. e citar os escritos de Vieira lopes.
Estas golpadas devem ficar no arquivo historico ja que a PGR continuam em morte cerebral e moral. so falta o levantamento popular. para breve
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+1 # JpB 07-07-2020 07:29
Grave, muito grave o que vem sendo denunciado no Praia Leaks.Se a justiça não atuar é porque na verdade vivemos numa República das Bananas.
Arrancar quatro folhas do Livro de.Matriz Predial para falsificar o registo das propriedades é um crime hediondo que não.pode ficar impune.
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+1 # GONCALO AMARANTE 07-07-2020 11:46
Por enquanto não houver mão dura sobre essa gente de má postura, " ladrões " daquilo que é dos outros nao teremos paz em Cabo Verde sobretudo a da consciencia que nos amlmam a viver. Isto que estamos lendo é muito grave, quando, conversado, parpara se assaltarem matrizes e suas folhas arrancadas para consumação de aldraldrabices, como aconteceu sob capa de um partido politico que não teve cabeca sequer pés para andar. Devem ser confrontados com Justiça para que tudo se esclareça de vez pir todas. Armados em gente grande, com muitos prédios de altos carros nas estradas não passam de gatunos diplomados," como os chamava Dr va Dr. VL, que nunca se pactuou com essa gente de má catadura. Tudo foi manhosamente feito e terrivelmente executado por subaltermos se calhar muito bem pagos para favorecer seus apetites. Aldrabões...
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