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Por: José Maria Neves

 JMN1

As declarações de Jorge Santos, Presidente da Assembleia Nacional e segunda figura na hierarquia do Estado, após uma audiência com o Senhor Presidente da República - não se sabe se o assunto foi ou não discutido com Jorge Carlos Fonseca, Presidente em exercício da CPLP -, a propósito da mais recente crise na Guiné Bissau, deixaram o país estupefacto, porque vieram lançar confusão, para dizer o mínimo, sobre o posicionamento de Cabo Verde.

Desde a independência, o nosso país tem tido uma política externa arguta e pragmática, em defesa da liberdade, da paz e do desenvolvimento sustentável. Apesar da escassez de recursos humanos, institucionais e financeiros, uma plêiade de jovens quadros, destemidos e ousados, lançou os alicerces de uma política externa inteligente, visionária e neutra e estribada no direito internacional, na igualdade entre os estados, na não ingerência nos assuntos internos dos outros estados, na reciprocidade de vantagens, no multilateralismo e na boa gestão da coisa pública e orientada para a criação da utilidade do país na arena internacional. Transformaram-se as relações externas em recurso estratégico para o desenvolvimento. Nestes anos, Cabo Verde ganhou a batalha da independência e da construção do Estado de Direito Democrático e está a caminhar, a passos largos, para a modernização, a sofisticação e a prosperidade. Temos de continuar a fazer esforços redobrados para não borrar a pintura e assim desperdiçar o quadro de prestígio e de credibilidade do país no mundo.

A Guiné Bissau vive mais uma crise, por razões que se prendem com a fraqueza das instituições, a ausência de uma cultura da Constituição e ganância de poder. O povo da Guiné Bissau tem-se destacado, nos momentos eleitorais, por um elevado civismo, espírito patriótico e sentido de responsabilidade. Infelizmente, as elites políticas não têm podido ou sabido corresponder aos anseios e às aspirações dos seus concidadãos e estar à altura das suas responsabilidades. Não há respeito pelas regras do jogo democrático, não há uma vontade para a construção de pontes, compromissos e consensos e quem perde não tem tido paciência política e responsabilidade ética para aceitar os resultados e trabalhar para a consecução do bem comum, a partir do exercício do poder da oposição democrática.

O sistema de governo na Guiné Bissau é semipresidencialista, podendo o Presidente demitir livremente o Governo. Mas espera-se de um Presidente bom senso, sentido ético, nobreza de espírito, respeito pelos resultados eleitorais e, sobretudo, defesa intransigente dos interesses nacionais.

Em Agosto de 2015, o Presidente José Mario Vaz demitiu o Governo de Domingos Simões Pereira, depois de ter ganho as eleições legislativas de 2014, com maioria absoluta. O Governo, de unidade nacional, integrava todos os partidos políticos, e tinha, dias antes, visto um Orçamento do Estado e uma Moção de Confiança aprovados por unanimidade pelo Parlamento.

Em Março de 2019, foram realizadas novas eleições legislativas, que foram de novo ganhas pelo PAIGC, embora desta vez sem maioria absoluta.

O Presidente recusa-se a nomear Domingos Simões Pereira, líder do partido vencedor, para a Chefia do Governo, e apesar de ter aceite a indicação de Aristides Gomes, até ao término do seu mandato, 23 de Junho, não nomeou o novo Governo, criando um vazio do poder e uma grave crise institucional.

O país estava sem Governo e sem Presidente da República. Não convocara a tempo eleições presidenciais para que o Presidente eleito tomasse posse a 23 de Junho, nem nomeara o Governo, conforme os resultados eleitorais e nos termos da Constituição da República. A intenção, já se vê, era criar o caos, num claro desrespeito à livre escolha dos cidadãos.

A CEDEAO, para sanear a crise, mediou o conflito, tendo levado todas as partes - Presidente cessante, Parlamento, partidos políticos - a um entendimento político-institucional: O Presidente da República manter-se-ia no cargo com funções meramente protocolares e sem interferências na ação governamental e nomearia o Governo de Aristides Gomes, proposto pela maioria parlamentar, que exerceria funções até as eleições presidenciais marcadas para 24 de Novembro, e um novo Procurador Geral da República, após consenso com o novo Governo. O acordo foi saudado e apoiado pela CPLP, pela União Africana, pelas Nações Unidas, pela União Europeia e pelos Estados Unidos da América, e assim se procedeu.

Só que no fim da semana passada, o Presidente José Mário Vaz decide, na véspera do início da campanha eleitoral para as presidenciais de 24 de Novembro, demitir o Governo de Aristides Gomes e nomear um novo Governo de iniciativa presidencial, rasgando assim o acordo conseguido sob os auspícios da CEDEAO. Trata-se de uma tentativa de golpe de estado palaciano, para inviabilizar as eleições presidenciais e criar o caos no país.

A CEDEAO e toda a comunidade internacional reagiram imediatamente, condenando a tentativa de desestabilização do país e apoiando o Governo de Aristides Gomes.

É neste contexto que surgem as declarações de Jorge Santos, em como a Guiné Bissau tem um Presidente, que tem poderes constitucionais para demitir livremente o Governo e que, por isso, a atual crise deve ser resolvida pelo país, sem interferências indevidas da CEDEAO, da CPLP ou de outra instância internacional.

Ainda bem que, hoje, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunidades veio dizer que Cabo Verde está alinhado com a CEDEAO e a comunidade internacional e que reconhece o Governo de Aristides Gomes.

As declarações de Jorge Santos são de todo o modo graves, já porque é a segunda figura na hierarquia do Estado, já porque as proferiu na sequência de uma audiência com o Chefe de Estado. Das duas uma, ou o Presidente do Parlamento desconhece as decisões e os meandros da política externa do país conduzida pelo Governo, o que é muito grave, ou conhece-os muito bem e deles dissente aberta e publicamente, o que é mais grave ainda.

O que se pede a todos é serenidade, argúcia e sentido de estado nos pronunciamentos sobre assuntos de tão relevante interesse nacional e internacional.

Artigo publicado pelo autor no facebook, ontem 6 de novembro.

Comentários  

-1 # Terra-terra 07-11-2019 23:06
Oh Jonh Miler, deixa de patetice e veja no artigo anterior que eu pronunciei antes do Jose Maria Neves. Alias fui o unico que pronunciou no artigo antetior do "Santiago Magazine" sobre esse addunto. Sendo assim, por que nao te calas?
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+1 # jose luis tavares 07-11-2019 15:43
Excelente, caro ZEMAS.
Haja mais responsabilidade, menos cobardia e rigor na governação e decisões dos órgãos da república.
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0 # John Miller 07-11-2019 14:13
O "Desiludido", o "Terra-Terra" e o "Sócrates de Santiago" são três marionetas! Foi só o Zé mexer os "cordeis" que eles automaticamente reagiram no sentido que ele desejou! Muitos mais nesta terra são assim. Autênticas marionetas! Têm corpo mas a cabeça deles está presa ao cordel manipulado. Antes deveriam vocês analisar o posicionamento do PAN e daí tirar as vossas próprias ilações. Mas não, vocês não têm tempo para isso. O vosso tempo serve apenas para mexer a cabeça quando o Zé fala das suas. Triste!
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0 # Kaka Alfama 09-11-2019 10:02
John Miller ou djosa D neves kual e a sua???
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0 # Carlos T Moreia 07-11-2019 11:53
Mas um análise de alguém a procura de protagonismo para se candidatar a PR. O Zé, deves ter mais atenção e entender o que foi dito e não tirar conclusões que mais te convêm. O que foi dito pelo Presidente do Parlamento tem sua razão de ser, ou seja, que a crise na Guiné Bissau deve ser resolvida internamente e não com o envolvimento de organismos e instituições internacionais. As declarações não chocam em nada com a posição do governo de alinhamento com a posição da CEDEAO e da CPLP. Para o Presidente do parlamento é preferível que internamente se resolva a crise. Foi só e somente isso. Agora o que o PAICV pretende é que o seu PAIGC, origem do PAICV esteja no governo.
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+1 # Desiludido 07-11-2019 10:36
Que artigo tão sagaz, eloquente e pertinente! Aliás, não era de esperar outra coisa, tratando-se que quem o produziu. Na verdade, mais uma vez, o Jorge Santos demonstrou a sua pequenez enquanto político e veia antidemocrática que lhe transporta o sangue na veia, envergonhando não só a classe política como rota a nação cabo-verdiana. Foi inqualificável e execrável o pronunciamento do JS, que avilta a instituição a que preside, ignorando, completamente o sofrimento por que tem passado o povo guineense, nosso irmão de sangue e de história inquebrantável, condenando-o ao ostracismo, negando-lhe o direito de ser livre e próspero, a favor de vontades, caprichos e egoísmos de uns poucos que, de democratas e respeitadores das instituições, suas leis e boas normas de convivência, só podem encontrar paralelos na própria personalidade do JS. Mas do JS já estamos acostumados às suas atitudes e intervenções imprudentes, desconcertantes e espúrias que só mancham a nossa democracia e a instituição que representa. Agora, pela função que desempenha e ainda por cima depois dum encontro com o presidente da República, ficou-me também a duvida se, na verdade, se tratou apenas duma declaração pessoal, mas que, de maneira nenhuma, pode ser assim entendido. Até porque, até agora, o senhor PR nenhum pronunciamento emitiu a respeito desta barbaridade diplomática à nação. Nos, os cabo-verdianos, irmãos e amigos dos Guineenses, exigimos uma explicação, clarificação e uma tomada firme e inequívoca da nossa posição face ao que se está a passar na país irmão. O JS, se não tiver a hombridade de se demitir do cargo, que seja forçado a isso, a bem da nação. Afinal, a Guiné-Bissau não faz parte do concerto das nações? Que noção tem o JS do direito internacional? A democracia para o JS o quê é que significa, no que se traduz?
Que tamanha imbecilidade e indecência!
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0 # SÓCRATES DE SANTIAGO 07-11-2019 10:04
Este é o HOMEM! Um político com H grande, um HOMEM com sentido de estado. O PROFESSOR DOUTOR JOSÉ MARIA NEVES, com este sábio artigo, acabou de dar uma GRANDE LIÇÃO POLÍTICA ao Senhor Engenheiro Jorge Santos que, ao abrir a boca, mais parece um CAMPONÊS ANALFABETO DA SUA RIBEIRA EM SANTO ANTÃO. Sinceramente, o senhor Jorge Santos deveria estar ali na sua Ribeira Grande a cultivar cana- de- açúcar e produzir grogue, em vez de ocupar a FINA E DELICADA CADEIRA DA ASSEMBLEIA NACIONAL.
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0 # Terra-terra 07-11-2019 09:03
De facto as declaracoes de Jorge Santos foram aberracoes, ainda mais oara um presidente da Assembleia. Que vergonhs!
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