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Por: José Luís Neves

“Achei de uma inabilidade politica impressionante quando ouvi alguém a rotular as obras do Programa de Requalificação, Reabilitação e Acessibilidades (PRRA) de ‘obrinhas’. Em abono da verdade, trata-se de um programa interessante e que pode dar um contributo importante para mudar a face de muitas comunidades e das nossas cidades. Mas...”

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Ainda há dias lia uma peça referente ao TOP 10 dos países africanos mais atractivos para os investimentos em 2020, segundo o Rand Merchant Bank (RMB). Sem surpresas, Cabo Verde não aparece na lista. São eles o Egipto (1º), Marrocos (2º), África do Sul (3º), Quénia (4º), Ruanda (5º), Gana (6º), Costa do Marfim (7º), Nigéria (8º), Etiópia (9º) e Tunísia (10º). O relatório destaca como factores de competitividade dessas economias, a dimensão do mercado, a forte aposta na melhoria do ambiente de negócios, a política de industrialização implementada pelos respectivos Governos e o crescimento económico forte.

O Relatório do Doing Business 2020 (RDB 2020) ainda não foi publicado pelo Banco Mundial. No RDB 2019, Cabo Verde caiu 4 posições, passando da posição 127 para a posição 131, em 190 economias avaliadas. Entretanto, tenho também em mãos o relatório sobre o Global Competitiveness Index (GCI) do ano de 2019, que a World Economic Fórum (WEF) acaba de publicar. Depois de ter caído 6 posições em 2018 (passando da posição 105 em 2017 para 111 em 2018), em 2019, Cabo Verde cai uma posição no GCI e passa para a posição 112, num universo de 141 economias avaliadas. Em dois anos, Cabo Verde cai 7 posições no GCI.

O GCI avalia 12 pilares: Instituições (posição 83), Infraestruturas (109), Adopção das Novas Tecnologias (101), Estabilidade Macroeconómica (104), Saúde (67), Competências (100), Mercado de Bens e Serviços (104), Mercado de Trabalho (58), Sistema Financeiro (74), Dimensão do Mercado (140), Dinamismo Empresarial (133) e Capacidade de Inovação (132).

A WEF considera que o maior constrangimento para a competitividade da economia nacional é a pequena dimensão do mercado. A resolução dos constrangimentos relacionados com os transportes aéreos e marítimos para unificar o mercado, tem sido apontada como um dos maiores desafios a vencer. Apesar de recebermos uma boa avaliação a nível da qualidade das infraestruturas rodoviárias, o relatório da WEF penaliza-nos muito a nível da conectividade aeroportuária e das linhas marítimas, da eficiência dos serviços de transportes aéreos e dos serviços portuários. Depreendemos do relatório da WEF que a questão dos transportes aéreos e marítimos em Cabo Verde é muito mais do que ter barcos e aviões (sejam, 2, 5 ou 11 aviões). Temos, portanto, de reflectir se o modelo de reestruturação dos transportes aéreos (internos e internacionais) e marítimos adoptado favorece a melhoria desses serviços e a competitividade do sector, a nível dos preços, dos custos para os operadores económicos, da unificação do mercado e de uma maior circulação de pessoas e bens entre as ilhas e do País com o mundo. Aliás, convém reflectirmos mais além e pensarmos no modelo de economia de mercado, das políticas de privatizações e das autoridades reguladoras independentes numa pequena economia aberta, fragmentada em ilhas e onde as falhas de mercado tendem a ser maiores.

O relatório da WEF aponta ainda que, em Cabo Verde, as Pequenas e Médias Empresas (PME’s) tem enormes dificuldades de acesso ao financiamento aliada, à fraca solidez dos bancos e a uma enorme carteira de crédito malparado. Também, o elevado nível de burocracia pública, as enormes dificuldades para arrancar um negócio, os constrangimentos a nível de resolução de insolvência, uma fraca cultura empresarial e de assumpção de riscos e da inovação empresarial, da ciência, da investigação e do desenvolvimento, a baixa taxa de subscrição de internet de fibra e de banda larga, e ainda o fraco desempenho na governança corporativa, com enormes conflitos de interesse com a regulação, fraca prestação de contas e fraca participação dos accionistas na gestão empresarial penalizam fortemente a ambiente de negócios e o dinamismo empresarial. O GCI desperta ainda a nossa atenção para a fraca performance do setor público, as enormes deficiências a nível dos direitos de propriedade, nomeadamente a nível da qualidade e da transparência na gestão dos terrenos, a nível do acesso à electricidade e à respectiva qualidade de oferta, mas também uma forte exposição à má qualidade da água e à inconsistência na sua oferta. Aliás, um dos grandes constrangimentos ao bom ambiente de negócios em Cabo Verde é o elevado custo de fatores (água, transportes, energia e telecomunicações).

Tenho defendido que o foco no desenvolvimento da iniciativa empresarial em Cabo Verde, sem descurar a promoção e a atracão de grandes investimentos empresariais (mormente o investimento directo estrangeiro) deve ser colocado na construção de Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME’s) sólidas, sustentáveis e solidárias, na sua capacitação empresarial, assistência técnica, acesso ao financiamento, certificação de qualidade e na sua competitividade. Temos de promover as MPME’s nacionais e conectá-las com o Sector do Turismo. A evidência empírica demonstra que o crescimento económico e o grosso dos empregos nas economias são promovidos pelas MPME’s.

Quanto ao mercado de trabalho, a WEF coloca Cabo Verde na posição 58 do ranking, na primeira metade da tabela, pese embora, considere que existem ainda enormes desafios relacionados com o nível médio de escolaridade da sua força de trabalho, na qualificação dos trabalhadores, na criação de competências cruciais para o nosso desenvolvimento, numa melhor relação entre trabalhadores e empregadores, e na elevação do nível de confiança nos gestores de topo. Temos um País que “festeja” a redução da taxa de desemprego, sem questionar para onde foram aqueles que o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) contabiliza como deixando de estar desempregados – se passaram a estar empregados, se emigraram, ou se deixaram de procurar empregos e passaram a ser inactivos e desencorajados. Entretanto, o País precisa reflectir sobre a forte destruição líquida de empregos (menos 15.000 empregos em 2 anos), redução drástica da participação da população economicamente activa no mercado de trabalho (menos 25.000, nos últimos dois anos), ao elevado desemprego jovem (18,7%em 2018) e ao crescimento da inactividade (mais 37.000 nos últimos dois anos) e sobre o crescimento da precariedade no mercado de trabalho.

Neste contexto de enormes desafios, surge o Programa de Requalificação, Reabilitação e Acessibilidades (PRRA), um programa interessante e uma das grandes bandeiras da Governo da IX Legislatura. Em abono da verdade, o PRRA pode dar um contributo importante para mudar a face das nossas cidades e de muitas comunidades. É por isso, que achei de uma inabilidade política impressionante, quando alguém rotulou as obras do PRRA de “obrinhas”. Porém, o exercício da sua confrontação com os desafios e as prioridades estratégicas do País, não pode deixar de nos convidar à reflexão, no que tange à prioridade e oportunidade de certas obras em certos contextos geográficos, à qualidade e resiliência das obras, do seu impacto na produtividade e na competitividade da economia, na atracção de investimentos empresariais privados e ao seu impacto consistente no emprego, no rendimento das famílias e no combate à pobreza”.

É claro que o PRRA não se compara com os investimentos estruturantes realizados em Cabo Verde na VI, VII e VIII Legislatura (2001 – 2015) - investimentos em estradas modernas, portos e aeroportos, nos transportes aéreos e marítimos, na mobilização da água para a agricultura, através da construção de barragens, reservatórios e diques de captação, na modernização da agricultura e da pecuária, através da introdução de novas técnicas de prática da agricultura, de irrigação e de novas raças de animais, os investimentos no abastecimento de água às populações, nas pescas, no acesso a energia eléctrica, no saneamento, na saúde com a construção de hospitais e centros de saúde por todo o País, na educação, no ensino técnico, na formação profissional, no ensino superior, na ciência e nas tecnologias, com a construção de liceus, escolas técnicas, dos centros de formação profissional, centros de transformação agro alimentar, da universidade pública, do parque tecnológico e nas energias renováveis – investimentos esses que mudaram a face do País e tornaram Cabo Verde um País mais moderno, competitivo e atractivo para os investimentos empresariais, nomeadamente no sector do turismo. Não obstante todos esses investimentos, a WEF, através do GCI demonstra que os desafios do país nessas matérias são ainda ingentes e que Cabo Verde ainda deve consolidar e continuar a realizar investimentos consistentes nessas áreas, sob pena de perigar a competitividade da sua economia e arrepiar caminho.

Por exemplo, quando andamos pelas Cidades do interior de Santiago, verificamos que as obras do PRRA é uma replicação daquilo que se fez ou se está a fazer na Cidade da Praia. A receita é mais ou menos assim: “Praia tem solução” e como “Juntos somos mais fortes”, vamos levar a solução da Praia para todos os outros 21 Municípios do País. Nada contra! Até porque acho que se está a fazer um trabalho meritório de requalificação da Capital do País, apesar de pontos menos bons, como a invasão das orlas marítimas pelo betão, numa altura em que, sem paralelos na história da humanidade, a questão ambiental surge como emergencial. Mas a questão que se impõe é: todos os outros Municípios e todas as outras Cidades de Cabo Verde tem a mesma vocação da Cidade da Praia e devem seguir a mesma estratégia e linha de desenvolvimento da Cidade da Praia?

O que eu tenho defendido é que, do meu ponto de vista, as prioridades estratégicas de Cabo Verde, na era da globalização são a competitividade e a produtividade, que se traduzem, do ponto de vista interno, na capacidade de inovar e de produzir com qualidade e do ponto de vista externo, na capacidade de atrair investimentos empresariais privados de qualidade. Por conseguinte, em meu entender, o PRRA, deve não só ser coerente com desafios e as prioridades estratégicas do País, mas também analisar a prioridade e a oportunidade de certas obras em certos contextos geográficos, a qualidade e resiliência das obras (muitas tem sido extremamente danificadas e outras levadas pelas cheias, mal caem as primeiras enxurradas). Mas também avaliar o impacto de determinadas realizações na atracção de investimentos empresariais, no emprego e no rendimento das famílias. Parece-me que em determinados contextos geográficos, sem descurar a requalificação urbana, mas em consonância com as características, as especificidades e a vocação do território, é prioritário investir-se em programas integrados de promoção de actividades geradoras de rendimento para as famílias.

É que no curto prazo, as pessoas podem até ficar muito satisfeitas com determinadas realizações e muitas eleições sejam vencidas por esse facto. Mas a médio e longo prazos, o que interessará para as pessoas é o emprego digno e produtivo e o acesso ao rendimento. Caso contrário, com o passar do tempo, os passeios, os canteiros de plantas e flores, as pinturas de escadas e fachadas, os placares luminosos, as pedonais, os parques infantis, os ginásios a céu aberto serão consumidos pelo actos de vandalismo e pela desertificação.

E continuaremos a cair nos rankings do ambiente de negócios e da competitividade.

Artigo publicado pelo autor no facebook

Comentários  

+1 # Xupetinha 17-10-2019 08:49
Zezinho, não acredito que estás no limiar de sobrevivência e, por isso, tens de dar-se ao trabalhar de fazer esse frete ao MpD. Tiveste acesso a alguma XUPETA? São obrinhas sim! Vejas que é uma crítica feita ao Governo. Para um Governo da República, são obrinhas sim. Agora, se essa crítica tivesse sido feita no âmbito de uma Assembleia Municipal, por um de[censurado]do a uma Câmara, talvez, eu estaria de acordo contigo. Um Governo não pode estar ali e aculá a inaugurar essas OBRINHAS e fazer delas bandeiras para o desenvolvimento de Cabo Verde. Cabo Verde preciso de intervenções ESTRUTURANTES e é isso que se espera de um Governo. Tu estás a dar tiro nos teus próprios pés! Quando é assim, porque não ficar calado?
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0 # Entendeu? 19-10-2019 08:51
Ve-se que não entendeu o artigo. porque é exactamente o que diz o articulista. sem uma visão estratégica, construidas para ganhar eleições com embelezamento de ruas e praças, não representam obras estruturantes que pode alavancar a economia, aumentar o emprego ou criar competitividade. Com o tempo não serão mais que um nado morto. Em vez de atacar, em primeiro lugar leia e perceba o que foi escrito.
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0 # SÓCRATES DE SANTIAGO 17-10-2019 08:39
Um artigo muito bem pensado, diga- se de passagem, muito equilibrado.
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-2 # John Miller 16-10-2019 16:41
Desde que o teu pai fez obras megalómanas, colocando o país num nível de endividamento sem precedentes na história do país independente, não resta outra alternativa senão fazer aquilo que tu denominas "obrinhas". Agradecíamos uma análise tua acerca das barragens que não retêm sequer um pingo de água e a riqueza nelas destruída!
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0 # Entendeu? 19-10-2019 08:56
obras megalómanas sob as quais o mpd tem vindo a surfar para se gabar que o país tem estado a crescer. Sem os aeroportos, estradas, cermi, escola de hotelaria e turismo, liceus, centros de saude, hospitais, investimentos na electra etc etc aliado a essa incapacidade deste governo em poder fazer algo que preste que não seja vender cabo verde, o povo estaria a pedir ajuda humanitaria. vai estudar um pouco mais sobre o significado de divida publica antes de te armares em voz dos incompetentes.
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0 # Rocha 22-10-2019 16:17
Gostei, estão sim a vender cv, agora até a asa vai na lista... E a promessa aos tolos(45 mil empregos) agora e 60 e poucos mil.
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+3 # Djosa Neves 16-10-2019 07:04
O nivel de ENDIVIDAMENTO inconsequente e perigoso atingido, numa aposta errada, retirou ao país margem de FLEXIBILIDADE o que dificulta a implementação da TRANSFORMAÇÃO necessária; aumentou o RISCO perante situações de instabilidade e perturbação reduzindo a capacidade de ADAPTABILIDADE; O primeiro passo foi estagnar os EFEITOS negativos que estavam alimentando um processo em espiral de degeneração generalizada; o segundo foi o de criar novas bases de TRANSFORMAÇÃO e o terceiro será o da IMPLEMENTAÇÃO de um modelo de DESENVOLVIMENTO assente em novas premissas. Fazer o possivel com o que existe, ou seja a partir de pouco, mobilizar novos recursos, capazes de alimentar o muito que se deseja.
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+2 # Djosa Neves 16-10-2019 06:44
Houve alguèm que em determinado momento fez o melhor diagnóstico sobre o problema FUNDAMENTAL deste país: É CULTURAL!! Hoje vemos uma geração de pessoas formadas, chias de conhecimentos académicos, conselhos, consultores, analistas com formação em diferentes universidades, influenciados por correntes de pensamentos TEÓRICOS ou aplicados em OUTRAS REALIDADES. Porém, ESCASSEIAM os que querem MUDAR, mesmo sabendo que o secularmente feito em FRACASSOU, os que querem CONSTRUIR a partir da nossa própria e especifica REALIDADE, capazes de MOLDAR forma diferentes de FAZER e de analisar; E os poucos que existem, vivem uma luta permanente e intensa contra a cultura estabelecida. FAZER para que resulte na saída de modelos elásticos (esticam para regredir), QUESTIONAR as mesmas leituras equivocadas que depois nos atiram para Programas sem sustentabilidade, MUDAR para não passarmos outros 500 anos a repetir ciclicamente os mesmos erros...MUDAR de paradigma, começa por desenvolver NOVAS capacidades de diagnosticar e ler nossa realidade de forma positiva e IMPULSIONADORA ao desenvolvimento. A tanga de sermos "os melhores de Àfrica", tal como foi conduzido nosso país até recentemente, só se aguentava devido ás CRISES complexas e profundas dos países africanos. Na verdade perdemos muito tempo em frente do espelho (Muito desperdicio), ao invés de ocupa-lo, em sua maioria, com a construção de alicerces mais fortes para o futuro (correspondentes ao nivel de exigencia que o país nos coloca).
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+2 # Atento 16-10-2019 03:26
Cabo Verde, sem solução.... resumindo um país CORRUPTO com toda as letras em GRANDE. Quem não vê é porque não quer, tchau!
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0 # Venceslau Cardoso 24-10-2019 21:09
Zezinho tem razão. Ele sabe que valor que representa essas obras para com as populações. Imagine a construção de uma estrada que desencrava a população de Leitão Grande nos Picos. Você é capaz de dizer uma obra desta natureza de "obrinha"? Zezinho é um economista. Ele sabe que a economia se faz fazendo grande coisas mas também fazendo pequenas coisas. Ele deu um puxão às orelhas do líder do paicv JHA.
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