O livro "Instruções para Uso Posterior ao Naufrágio", da autoria de José Luiz Tavares, foi selecionado, entre cerca de 1900 obras, como um dos semi-finalistas do prémio Oceanos de literatura.
"Instruções para Uso Posterior ao Naufrágio" venceu, enquanto inédito, o Prémio Vasco Graça Moura 2018 da Imprensa Nacional - Casa da Moeda de Portugal. A esse prémio concorreram cerca de 500 obras inéditas, tendo o júri sido presidido pelo poeta e padre José Tolentino Mendonça (actual cardeal e director da biblioteca do Vaticano), pelo poeta e crítico literário Pedro Mexia, e pelo poeta e editor Jorge Reis-Sá.
O livro foi editado em Setembro de 2019, tendo sido lançado em outubro durante o Festival literário internacional de Óbidos (com a presença do presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca), com apresentação do filósofo António de Castro Caeiro.
O lançamento em Cabo Verde aconteceu no mesmo mês de outubro, na Praia e no Tarrafal, com apresentação do poeta e Prémio Camões, Arménio Vieira, que o considerou «a magnum opus» do «miglior fabbro da moderna literatura cabo-verdiana», afirmando que «José Luiz Tavares é o poeta cabo-verdiano, e quiçá de toda a moderna poesia escrita em idioma luso, o que mais "carrega" a linguagem, introduzindo um vasto rol de vocábulos, naturalmente desconhecidos do comum dos leitores, e inúmeras vezes desviando-se da tradicional lógica discursiva”.
Nessa alocução, Arménio afirmava ainda que “a poesia do José Luiz Tavares é uma perfeita simbiose entre o clássico e o moderno. Haverá poucos poetas que souberam aliar de forma tão conseguida esses dois afluentes do mesmo rio, renovando o que parecia velho e fazendo que o novo regressasse à fonte onde nasceram os antigos poemas. Com tal síntese, veio trazer a paz ou uma nova espada? Fica a pergunta. Segundo, este novo livro do José Luiz Tavares, provavelmente mais que os anteriores, é um desafio ao leitor -- alguns não passarão das primeiras páginas, outros ficarão pela metade, os que forem até o último verso, esses são os que leem com os olhos bem abertos. Mesmo a esses, peço que se empenhem na leitura -- inexauríveis são os segredos da poesia”.
Muito produtivo, na próxima semana será editada na Colômbia uma antologia trilingue do autor, “Com o fósforo duma só estrela/ Com el fósforo de una sola estrella”, com tradução de Diego Cepeda, e revisão do especialista em Fernando Pessoa, Jeronimo Pizzaro, a anteceder a segunda edição de «Prológo à invenção do dilúvio/Prólogo a la Invéncion del diluvio», lançado em 2018 durante a FILBO, feira internacional do livro de Bogotá, de que o autor foi um dos convidados.
José Luiz tavares encontra-se neste momento em Cabo Verde, em viagem para prosseguimento do projecto “Pátria Soletrada à Vista do Harmatão”, uma radiografia da terra e da alma cabo-verdianas, e deverá sair em livro em 2025, por altura do 50º aniversário da independência do país.
O autor, nascido a 10 de junho 1967, no Tarrafal de Santiago, estudou literatura e filosofia em Portugal, onde vive. Entre 2003 e 2020 publicou catorze livros espalhados por Portugal, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Colômbia. Recebeu uma dezena de prémios atribuídos em Cabo Verde, Brasil, Portugal e Espanha, sendo o autor cabo-verdiano mais premiado de sempre. Não aceitou nenhuma medalha ou comenda, até agora. Traduziu Camões e Pessoa para a língua cabo-verdiana. Está traduzido para inglês, castelhano, francês, alemão, mandarim, neerlandês, italiano, catalão, russo, galês, finlandês e letão. Sobrevive ao tempo do mundo sem estar conectado a nenhuma rede social.
Paulo José Miranda, o primeiro vencedor do prémio José Saramago, escreveu no jornal Hoje Macau sobre o livro: «Brilha ao longo de todos os poemas de José Luiz Tavares um metal de outros tempos, palavras que nos aparecem como se de amigos há muito desaparecidos se tratassem.(…) Um tempo em que a poesia era acima de nós, quando tínhamos que subir as escadas para procurar palavras, para lhes abrir o sentido. O tempo em que o mistério chegava até nós pelo incompreensível de um verso, devido a uma ou mais palavras que nos obstruía o caminho. Este livro de José Luiz Tavares, que além de percorrer a cidade de Lisboa, as suas paisagens e os seus personagens, à laia de Cesário – e de se encontrar com outros poetas, Pessoa e os seus heterónimos, Armando da Silva Carvalho, Alberto Pimenta –, encontra-se também com esta encruzilhada de tempos, em que se sente perder tudo aquilo em que mais se acredita.»
E Zetho Gonçalves, poeta e crítico angolano conclui na revista África 21: «Lisbon Blues é um dos grandes livros de poesia publicados neste ano de 2015 em Portugal, numa «obscura mistura/de acaso e cálculo», cuja «sabedoria/(…) só chega depois do erro», para uma viagem através da «imponderável alma desta cidade» cujo rosto «olha o mar», «numa suave dicção sentimental» − e irónica também −,onde a língua portuguesa fulgura em esplendor vocabular, relâmpago a relâmpago incrustado no magma vivo de sons e ritmos, numa potenciação de rara e preciosa beleza».
A obra de José Luiz Tavares (duas décadas de publicação e treze títulos), pode ser resumida nesta síntese do Professor Pires Laranjeira a propósito da antologia Contrabando de cinzas de 2016, a que se seguiriam mais seis títulos publicados entre 2017 e 2019: «a poética de José Luiz Tavares: um vulcão de lava jorrando do caos para a ironia e a angústia de uma palavra trançada com fúria e desvelo (…) uma gigantesca paixão consumida pelo ofício de trevas, que busca, em última instância, serenar a medonha inquietação de conciliar a melancolia das origens (um qualquer Cabo Verde que quase se apaga dos textos) com a inaudita
força da viagem pelos mundos do sofrimento, a que somente o discurso – a submissão a uma ordem própria – consegue dar sentido, que é o da interrogação sobre a perda, a errância, o obstáculo e a morte, erguendo uma Obra por cima de toda a dureza da pedra, da sociedade, do tempo e da palavra»
Com José Luís Tavares apetece lembrar o que Brodsky escreveu sobre Derek Walcott: «Esta cobardia mental e espiritual patente nos intentos para converter este homem num escritor regional pode explicar-se também pela pouca vontade da crítica profissional em admitir que o grande poeta da língua inglesa é negro.»
Sobre este segundo livro do autor Maria João Cantinho escreveu no jornal cabo-verdiano O Liberal: «Encontramo-nos inequivocamente diante de uma voz pujante e de grande originalidade, que não teme o diálogo com os grandes mestres da poesia, exibindo um domínio formal admirável. Estranho é que tal obra passe despercebida ao olhar da crítica vigente, demasiado ocupada com o seu umbigo.»
Sobre o livro-álbum (com fotografias do português Duarte Belo), Cidade do Mais Antigo Nome, livro-homenagem à primeira capital histórica de Cabo Verde, e primeira urbe fundada pelos europeus nos trópicos, escreveu o Professor Pires Laranjeira: «a poesia de José Luiz Tavares impõe-se ao nosso intelecto e aos nossos sentidos como a descarga de uma energia poderosa, uma força avassaladora que faz oscilar o nosso quadro de referências e produz uma dúvida lancinante sobre o que está em causa. Se não fossem algumas coordenadas adquiridas, poderia até perguntar um leitor qualificado, mas distraído: que poeta português é este de que nunca ouvi falar? Ou, de outra maneira, que poeta cabo- verdiano é este em que Cabo Verde cabe inteiro na sua poesia, mas ele talvez não caiba na história da literatura do seu país? Ou, ainda de outro modo, que poeta é este que tem toda a potencialidade da língua portuguesa para se expandir e é ele que, escolhendo a expressão, expande as tensões da língua até ela fazer sangue e rasgar a carne de quem lê? Constituirá um tendencioso exagero apologético este começo de conversa?
Não haveria outro modo de começar este texto, a não ser hiperbólica e inusitadamente. O novo livro de José Luiz Tavares, Cidade do mais Antigo Nome, editado em Lisboa pela Assírio & alvim é composto por fotografias e poemas, sendo estes em forma livre e sonetos, alguns destes de modo heterodoxo, mas ainda assim com 14 versos. O uso de uma forma fixa de origem renascentista já constitui uma modulação inusitada num poeta africano, neste caso cabo-verdiano, porquanto não seria de esperar, já em pleno século XXI, que essa fórmula pudesse interessar a um escritor ainda jovem. Esse gesto de afirmação tecnicista talvez seja a dupla maneira de se inscrever na plenitude do seu tempo, recuperando uma forma antiga, segundo o conceito pós-moderno de apropriação e uso livre de elementos heterogéneos, e, em simultâneo, ganhar o desafio de uma empreitada dificultosa, propondo, pois, as armas de uma alta competência formalmente tradicional. Outros se têm proposto a desenvolver tal tecnicismo, como, por exemplo, os portugueses Vasco Graça Moura e Vergílio Alberto Vieira, o brasileiro Ruy Espinheira Filho ou os cabo-verdianos José Lopes, Gabriel Mariano e Jorge Barbosa, estes dois últimos es[censurado]dicamente cultores do soneto, e só para ficar nos “clássicos” do arquipélago.
Escrevendo sobre a obra em apreço o poeta e crítico literário português, António Carlos Cortez, refere também essa faceta tecnicista e clássica do poeta cabo-verdiano: «sonetos, em estilo clássico e ritmo quase perfeito (nem sempre se segue o decassílabo sáfico ou o heroico, dada a liberdade da acentuação),cumprindo um desígnio de perfeição (tanto quanto possível) formal (aspeto absolutamente distintivo em José Luiz Tavares, por comparação com outros poetas seus contemporâneos), mas também o culto da redondilha, da quadra e a alusão à forma da ode, tudo igualmente converge para um saber oficinal, artesanal que compete, tant bien que mal, a certas áreas épicas do volume, ou melhor, a certo tom que, não sendo elevado, acaba por dotar estes versos de uma nostálgica faceta de crónica, numa maestria versificatória e de inventiva metafórica, assim como o jeito irónico, ora corrosivo, ora mais contido, para falar do que causa mágoa; a linguagem (em particular nos sonetos) em que se equilibram sentimento e razão, refreando a fúria que entra, de quando em vez, nos versos (e ainda aquele cantar a pobreza nobre de uma terra devastada, fabricando um lirismo de matriz épica, sem heroísmos serôdios; ainda aquela concepção orgânica do poema, como se ele ficasse substituindo, como monumento de palavras, os destruídos monumentos, tudo converge para que a poesia de José Luiz Tavares se efective como fotografia da última flor do Lácio.
José Luiz Tavares nasceu a 10 de Junho de 1967, no Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde. Estudou literatura e filosofia em Portugal, onde vive.
Publicou:
Paraíso Apagado por um Trovão (2003);
Agreste Matéria Mundo (2004);
Lisbon Blues seguido de Desarmonia (2008);
Cabotagem & Ressaca (2008);
Cidade do Mais antigo Nome (2009);
Coração de lava (2014);
Contrabando de Cinzas (2016);
Polaróides de Distintos Naufrágios (2017);
Rua Antes do Céu (2017);
Prólogo à Invenção do Dilúvio (2018);
Arder a Vida Inteira (2019);
Ku Ki Vos/ Com que Voz (2019):
Instruções para Uso Posterior ao Naufrágio (2019).
Recebeu os seguintes prémios:
Prémio Revelação Cesário Verde, CMO 1999;
Prémio Mário António de Poesia, Fundação Calouste Gulbenkian (2004);
Prémio Jorge Barbosa, da Associação de Escritores Cabo-verdianos (2006);
Prémio Pedro Cardoso, Ministério da Cultura de Cabo Verde (2009); Prémio de Poesia Cidade de Ourense (Espanha, 2010);
Prémio BCA/Academia Caboverdeana de Letras (2016).
Por três vezes consecutivas - 2008, 2009 e 2010 - recebeu o Prémio Literatura para Todos do Ministério da Educação do Brasil, por livros destinados a neo-leitores jovens e adultos;
Prémio Vasco Graça Moura /Imprensa Nacional Casa da Moeda (2018);
Foi ainda finalista do Prémio literário correntes d‘escritas (2005 e 2019), semi-finalista do prémio Portugal Telecom (2009) e Finalista do Pen Club Português (2018).
Os seus poemas estão traduzidos para inglês, espanhol, francês, alemão, neerlandês, italiano, catalão, letão, finlandês, russo, mandarim e galês.
A sua obra foi objecto de duas teses de doutoramento: «Exemplo cosmopolita», de Rui Guilherme Figueiredo Silva, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 2013, e de Maria de Fátima Fernandes «A expressão do sentido de existir na literatura cabo-verdiana contemporânea – João Varela, Corsino Fortes e José Luiz Tavares», defendida na Faculdade de Letras e Ciências humanas da Universidade de S. Paulo em 2013.
A propósito do seu livro de estreia, «Paraíso Apagado por um Trovão», escreveu António Cabrita no suplemento Actual do jornal expresso em março de 2004: esta é a mais «autoritária» primeira obra que li nos últimos anos. (…) Sejamos assertivos: José Luís Tavares assesta miras com um dos mais flagrantes domínios da língua portuguesa que nos tem sido dado a desfrutar. Tavares incorporou, e muito bem, os poetas que evoca — Nemésio, Fernandes Jorge, Seamus Heaney, Yeats, Ted Hughes – e os que estão implícitos – Herberto, Joaquim Manuel Magalhães – e logra uma síntese onde a voz, a densidade reflexiva, a técnica e a reelaboração dos tropos são seus, são montagem sua, inexoravelmente. É obra que não pretende encadear-nos com a novidade, mas prosseguir uma tradição e dotá-la de um novo esteio.
Um livro denso, de uma segurança capaz de aguentar «o vento pernilongo» do tempo, e que, contra aqueles que o querem desencantado «refaz/a obscura trama do mundo».
Noutro texto publicado no jornal cabo-verdiano Horizonte em setembro de 2004, Cabrita escreve: «Desiludam-se os que vão de lupa procurar neste primeiro livro os localismos, o exótico sabor étnico, os ritmos do crioulo. Estão lá, implícitos, como húmus; num sentimento de um duplo exílio, José Luís Tavares antes se reapropria de uma outra língua, o português, para se instalar de um ânimo novo uma universalidade que vai perdendo o seu valor esperântico, e que não tem conseguido cumprir o desígnio que a lusofonia prometia.
Paraíso Apagado por um Trovão é, ademais, um livro carregado de um prazer de intertextualidade que bebe em todas as lagunas do saber e correntes poéticas, num extenso vaivém em que o sedimento literário é que propulsiona afinal a emoção e o sonho de uma aura
adâmica.
(…) É neste sábio entrelaçamento entre a memória do texto e a pulsação do vivido, entre a tradição retórica e a enxurrada do novo que na voz poética faz sempre comparecer, que se joga o mais surpreendente deste livro que nos naipes da literatura da língua portuguesa chegou para agitar a mesa, para baralhar e
arriscar o poker de ases.
Sobre o mesmo livro escreveu Pires Laranjeira, professor da Universidade de Coimbra e especialista em literaturas africanas, no JL, jornal de letras, em junho de 2004: «José Luís Tavares (n. em 1967, no Tarrafal) é uma certeza da poesia de língua portuguesa, apenas com o seu primeiro livro. Duas edições em três meses
e o Prémio Mário António, agora atribuído pela Fundação Gulbenkian a esse livro. É uma das maiores surpresas, desde há muitos anos, da poesia africana e mesmo de toda a de língua portuguesa, porque alcança uma maturidade inabitual em estreias,
consegue a desenvoltura prosódica, a harmonia melódica e a legibilidade dos sentidos com sustentação simultaneamente de recorte clássico e moderno.
Receptor evidente da lição medieval, ática, ovidiana, dominando a língua portuguesa no seu esplendor oracular, dramático, digressivo, narrático, em que a espessura discursiva não impede o gosto da leitura, num registo de melancolia não passadista, mas curvado ao peso da memória privada e histórica. Enfim, o domínio certeiro do vocabulário requintado num fraseado longo, complexo e paradoxalmente cristalino, dizendo as doces lembranças, os amargos traumas sócio-políticos (escolares também) e a saga popular. Um belíssimo exemplo para muito literato jovem de linguagem pastosa, de vacuidade e deliquescência. Nele «a poesia já só pode falar de abominações» e, por isso, termina programaticamente o livro: «(…) fiz-me osso que contunde/e aquele que de novo refaz/a obscura trama do mundo.»
Rui Guilherme, o principal estudioso da obra de Tavares, em recensão à 3ª edição do citado livro declara, assertivamente, Paraíso Apagado por Um Trovão como «o mais impressionante livro de poemas da literatura de Cabo Verde».