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Por: António Ramos

 


(A minha homenagem aos bravos dessa aventura)

Foi num dia como hoje, 15 de Janeiro (1981), há precisamente 37 anos, numa madrugada fria de uma quinta-feira, desaparecia no Sul da Ilha do Maio um dos mais emblemáticos navios da nossa marinha mercante que fazia mais uma viagem habitual entre a Vila de Pedra Badejo e a Vila de Porto Inglês.

Dois dias depois, o Maio recebia a triste notícia confirmada do desaparecimento do seu falucho Belmira com toda a sua tripulação e passageiros.

Não havia meios de comunicação como os que existem hoje e a notícia foi dada, pelo menos na localidade de Calheta, por um conhecido mestre canalizador que era quem dava habitualmente as piores e as boas notícias à população do interior da ilha.

Sempre quando aparecia nas localidades as pessoas ficavam um pouco assustadas com a sua presença e os comentários eram tudo menos abonatórias: ou vinha fazer algum trabalho ou trazer alguma novidade, boa ou má.

Desta vez era mesmo uma má notícia: o Belmira que tinha zarpado do porto de Pedra Badejo para o Maio há dois dias está desaparecido e até então não havia sinal da embarcação. Estava perdido nos mares.

 

A chegada ao Maio no dia seguinte, 16, de outro falucho - Aleluia - que tinha saído de Pedra Badejo um dia depois do Belmira para fazer o mesmo trajeto foi a confirmação de que este último tinha mesmo desaparecido porquanto os colegas tripulantes do Aleluia disseram que durante a viagem não viram o Belmira e que estavam convencidos de que o iriam encontrar fundeado na baía.

Belmira estava sob a responsabilidade do experiente capitão Sr. Tchico Tuda, para além de seis tripulantes, também eles conhecidos “homens do mar”, trazia ainda a bordo mais cinco passageiros, incluindo uma criança de cinco anos. Trazia, igualmente, um carregamento considerável de verduras e alguma mercadoria para comerciantes como era habitual nessas viagens.

Havia pouca informação à cerca do acontecimento e as autoridades locais, Capitania e Secretariado Administrativo (Câmara Municipal), limitavam-se a tranquilizar os familiares e a população. De salientar a atuação da igreja católica que teve um papel preponderante nessa história ao fazer o que era humana e espiritualmente possível nestas situações: nas celebrações de missas dominicais, e não só, o pároco rezava e visitava os familiares, pedindo-lhes para terem fé em Deus e acreditar que os desaparecidos estavam vivos e que um dia iriam aparecer e onde quer que se encontrassem estariam seguramente sãos e salvos.

Belmira esteve desaparecido durante 14 dias, altura em que a tripulação conseguiu, finalmente, avistar a terra firme ao alcançar a Ilha do Komo na Guiné-Bissau, tendo ali permanecido alguns dias para organização da viagem de regresso a Cabo Verde.

Cumpridas as formalidades legais, as autoridades locais reencaminharam todos os “sobreviventes” para o Senegal de onde dois dias depois seguiram de avião para a Ilha do Sal. No mesmo dia chegaram ao Maio, numa viagem com escala na Praia. Meses depois foi também a vez do Belmira chegar a Cabo Verde trazido por um navio cargueiro, ao que tudo indica desviado para o efeito a pedido as autoridades cabo-verdianas.

Ainda recordo-me da explosão de alegria da população quando a notícia foi dada do aparecimento do falucho e de todos os seus ocupantes sãos e salvos na Guiné-Bissau. Primeiro, através da Rádio Nacional e posteriormente através das autoridades locais.

A partir daí contavam-se os dias e as horas para a chegada à ilha os afortunados marinheiros e passageiros até que finalmente tal aconteceu para alegria de todos. Foram momentos inesquecíveis vividos naqueles dias na pacata Ilha do Maio, principalmente na Calheta, de onde era uma boa parte dos marinheiros, três ao todo: Armando de Góia, Beto de Aida e Domingo de Cândida (estes dois últimos meus vizinhos).
Todos queriam saber da boca dos protagonistas o que realmente aconteceu naquela fatídica quinta-feira do dia 15 de Janeiro quando deixaram o porto de Pedra Badejo rumo ao Maio com a previsão de chegada ao amanhecer do dia seguinte.

Segundo relataram, o navio saiu à hora programada, o tempo estava bom apesar de haver alguma bruma seca, o que era habitual naquela época do ano, mas não o suficiente que pudesse impedir aquela viagem que já os tinha levado para bem perto do Maio. “Havia cerração (bruma seca). Já tínhamos o Maio debaixo de olho e de repente começamos a ser arrastados pelo vento para o mar largo até deixarmos de ver o Porto”, dizia o Sr. Armando quando foi convidado pelo pároco para subir ao altar e dar o seu testemunho do acontecido.

Todos louvaram a atitude do capitão Tchico Tuda que sempre esteve optimista de que iam sobreviver, não fosse ele um conhecedor profundo dessas andanças. De acordo com o ex-mestre Samuka, numa declaração recente à Inforpress, “quando passaram mais de cinco dias sem ver a terra, os passageiros começaram a desanimar, mas como o capitão já conhecia a rota porque fazia viagens de longo curso, ele é que nos encorajava dizendo que iríamos encontrar terra firme e assim os dias foram passando até que fomos parar a ilha do Komo, onde encontramos pessoas um pouco diferentes de nós mas nos acolheram conforme podiam”.

 

A história do desaparecimento do Belmira não termina aqui e apesar de alguma apreensão sobre o que o destino ainda os reservava, há peripécias interessantes a serem contadas, nomeadamente a forma como a tripulação e os passageiros estavam a encarar esta aventura, o relacionamento entre eles, as piadas contadas ao longo dos dias em que estiveram à mercê da sorte, a água das chuvas que bebiam para matar a sede e o que tinham de comer para sobreviver.

Hoje, infelizmente, dos seis membros da tripulação desta grande aventura, quatro já não estão entre nós.

Se esta história teve final feliz, o mesmo já não se pode dizer do Belmira que acabou por apodrecer na praia de Bitxi Rotxa. Foi o fim triste de um navio mágico que ajudou famílias, comerciantes e a própria ilha na sua luta pela sobrevivência nos períodos mais difíceis da sua história. Curiosamente, o “irmão” Aleluia teve também o mesmo fim!

Comentários  

0 # Caty Lopes 21-01-2018 10:13
Caro Tony Ramos, sempre fomos uma apaixonada pela ilha do Maio, a historia da sua boa gente, do seu povoamento como burgo e de inumeros acontecimentos maritimos verificados ao longodo tempo, dos quais aconselhamos o senhor Tony Ramos, a investigar o caso de Capitão Rose, que é natural da Brava e que se apaixonou pela ilha do Maio e se instalou em Casas Velhas, donde veio a nascer a Vila de Porto Inglês, hoje cidade. O Capitão Rose, foi um capitão de longo curso, que se optou pela nacionalidade amaricana, que veio a falecer num naufragio nas proximidades da Veneuela, provocado por um furacão tropical e juntamente com ele perderam a vida dois maienses naturais da sua Calheta de João de Frank e que deixou a ilha na mais profunda tristeza. O capitão Rose tem muitos descendentes nos EUA, nomeadamente a Professora Universitaria e Cantora Cândida Rose (julgamos ser esse o nome dela). Também da historia de muitos cabo-verdianos que apanhavam os barcos de Manito Bento na ilha do Maio, nomeadamente Madalan, Novas Alegria, Magui e barcos de outros proprietarios, para se viajarem para o Senegal e seguir mais tarde para a Holanda e outras partes do mundo. Também, o José Silva do Morro, que é casado com uma bonita mulher da Calheta, fez sair da ilha muitos cabo-verdianos no seu barco Fatima, a partir de Ribeira D. João, sem esquecer de alguns capitães de longo curso da marinha mercante holandesa, tal como Rolando Spencer e outros, nem dos capitães de pé de pedra como os senhores Belhermino, João Gaiado e Pudjim, sendo quase todas da Calheta do Maio. Cumprimentos e temos pistas para muitas historias do Maio, que nos fora contados pelos nossos pais, que são também da Calheta.
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0 # Caty Lopes 19-01-2018 14:26
Caro Tony Ramos, é sempre bom ouvir as historias, que marcaram a nossa infância e juventude maiense, relembrando os nossos gloriosos marinhos dos nossos faluchos Belmira e Aleluia, que apesar de serem movidos a vela e navegar ao sabor do vento, serviram muito bem aos seus proprietarios, que também eram comerciantes, Nho David Silva e Nho Antonio Evora, mais tarde o seu filho Djodjinho. Esses faluchos serviram muito bem a população do Maio e nada faltava na ilha para satisfazer as necessidades daquela época, embora as mercadorias ao preços de ouro. A ilha do Maio foi frequentada no passado por muitos barcos, principalmente os pertencentes ao senhor Manito Bento, natural da ilha, que vivia na Rua da Republica e que foi um dos maiores Armadores da nossa Marinha Mercante, sem falar de muitos maienses, que participaram na pesca de baleia e que se emigraram para a Nova Inglaterra dos EUA, inclusivé o Ché Bento, a familia Tavares e Silva, ancestrais de Horeice Silver, o nosso grande musico. O pai da Eng. Zeza, Delegada do MDR, foi o primeiro maiense a embarcar directamente para os EUA e mais tarde se emigrou para a Europa\Holanda, por onde se direccionou a emigração maiense, até os dias de hoje, sem esquecer os que escolheram os EUA, no pôs Independência a esta data. Obrigado Antonio Ramos, o nosso TONY di Cadjeta.
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0 # António Ramos 20-01-2018 14:58
Cara Caty
Agradeço o seu comentário que é, na minha opinião, mais um contributo para ilustrar esta história que apesar de ser triste não deixa de ter alguns factos muito interessantes e que merecem também ser conhecidas. Portanto, a história do desaparecimento desse falucho não termina neste breve apontamento que fiz no intuito de recordar esta importante data que ficará na história da nossa marinha mercante. Há mais peripécias interessantíssimas que merecem ser reveladas. Como já disse algures, tenho vindo a recolher todos os dados dessa aventura para, possivelmente um dia, dar a conhecer ao público o que foi realmente a história do desaparecimento do Belmira.
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0 # Tarrafal 19-01-2018 11:20
Storia bonita..infelizmente nao sabia pamodi mi e di tarrafal inda porsima nsta inda minino.A caramara ou governo devia recuperar os barcos e prrservar a historia di viagens fetus antigamenti asi nos mas novo nu pa inspira na passado i fazi mijdor na presente i futuro...obrigado ...konta otu..
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0 # Porfírio Mendes 17-01-2018 11:22
Sou de Pedra Badejo e,
tive sempre uma relação de amizade e afeto com os maienses que vinham nos faluchos Belmira e Aleluia. Lembro-me bem de figuras como Chico de Marica, Silvério, ambos capitães, Naná de Augusta e vários outros.Tempos que já não voltam mais em que as pessoas eram puras. Obrigado amigo, por esta evocação.Recordar é viver! Abraço de um cidadão de Pedra Badejo.
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0 # Elísio Semedo 17-01-2018 00:03
Há muitas peças por encaixar nesta história para podermos ter o todo. Nós de Ribeireta de São Miguel temos uma peça. Também, seria bom dizer que segundo um dos sobreviventes, alguém, um dos tripulantes, queria vender o barco lá em Guiné Bissau e «despachar-se».
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0 # António Ramos 17-01-2018 12:15
Meu caro amigo Elísio Semedo, há muitas histórias a serem contadas desta aventura e que futuramente serão conhecidas. Estive com três dos marinheiros que por sorte eram meus vizinhos e contaram-me muitas histórias dessa viagem, principalmente do ambiente vivido a bordo durante os dias em que estiveram perdidos no mar e em momento algum disseram dessa alegada tentativa de vender o navio. Até porque, mesmo querendo, não poderiam o fazer!
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0 # Elísio Semedo 19-01-2018 23:02
Exactamente, caro AR, o marido da minha tia, o mais velho ou pelo menos um dos mais velho, embora não sendo dono do Navio, levantou-se contra a ideia da venda do navio e , claro, por razões vários. E um pequena peça: no 7º dia de «stera», desse meu tio, portanto, por afinidade, um senhor que estava a dirigir o «tersu», no momento de dizer «para o defunto .. fulano...» um outro adulto, ali ao lado, e cheio de «xema» a perturbar a cerimónia dizia sempre assim «ki ka mori inda». Nós a criançada e adolescentes caíamos em risadas descontroladas. Os aduldos chateados de si, nada podiam fazer com esses adulto. Não é que esse gateru (mas sem sentido de ofensa) acabou por ter a razão?
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0 # Veis Vieira 16-01-2018 10:17
MUITO INTERESSANTE, A ESCRITA FOI TAO ILUSTRATIVA QUE POR INSTANTES VIAJEI ATÉ A CADJETA DO MAIO... mto obrigada por partilhar, confesso que nunca tinha ouvido falar sobre o "BELMIRA", ...
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