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Por: José Carlos Furtado*

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Que Cabo Verde seja um Estado democrático, disso não há dúvida. Todavia, já o mesmo não se poderá dizer quando a questão é saber se Cabo Verde é um Estado de direito. Eis a razão!

No dia 02 de dezembro de 2017, cedo de manhã, fui contactado, na qualidade de Advogado, por um familiar de um cidadão bissau-guineense, que se encontrava retido, entenda-se, detido pela Polícia de Emigração e Fronteiras, no aeroporto Nelson Mandela, na Cidade da Praia, Cabo Verde.

Assim, dirigi-me ao aeroporto, no sentido de me conferenciar com o detido para, entre outras coisas, saber da razão da sua detenção e, eventualmente, ele me constituir mandatário.

Ora, chegado ao aeroporto, identifiquei-me perante o segurança presente, ao qual pedi que anunciasse a minha presença aos elementos da Polícia de Emigração e Fronteiras, informando-os que sou Advogado e que estava aí para tratar do assunto do cidadão guineense, o que fez com toda prontidão.

Cerca de 30 minutos depois, apareceu uma agente da Polícia Nacional a quem expliquei a razão da minha estada no aeroporto. Cerca de 15 minutos depois, reapareceu e me pediu para a acompanhar até a sua chefe.

Chagado aí, depois de me identificar, pedi informação sobre a razão pela qual o cidadão guineense se encontrava detido, ao que me respondeu que o mesmo não tinha meios de subsistência e o termo de responsabilidade que tinha na sua posse não fora previamente avalizado pelo serviço de Emigração e Fronteiras e nem sequer a assinatura estava reconhecida. Frente a isso, e num exercício de diplomacia forense, respondi-lhe que, em se tratando de um cidadão oriundo de um país da CEDEAO, (e disse mais: Guiné é irmão gémeo de Cabo Verde), que chega ao nosso país pela 1º vez, portanto sem antecedente criminal, havíamos de encontrar uma solução quanto  ao termo de responsabilidade e deixá-lo entrar livremente no território.

Até aí nada de anormal e num clima afável.

Posto isso, acto contínuo, disse à chefe, uma senhora de cor clara, 1ª subchefe da Polícia Nacional, cujo nome ignoro, que gostaria de me conferenciar com o detido, ao que ela me respondeu, perguntando se tinha procuração. Frente a essa pergunta, respondi-lhe que o encontro com o detido tinha exactamente como propósito ele assinar a tal procuração que ela estava a exigir-me.

Mas, em vão. Argumentou que, sem procuração, não poderia permitir-me conferenciar com o detido.

Perante manifesto contrassenso, insisti tentando demonstrar que, para ter procuração assinada, teria de chegar perto do detido.

Outra vez, em vão. A senhora chefe continuou na sua retranca e a tentar ensinar-me que o familiar que me havia contactado poderia muito bem assinar a tal procuração, ao que lhe respondi que isso não era legalmente possível, e que aquele familiar já havia feito o que podia, contactar Advogado, mas que quem deveria assinar a procuração era o próprio detido.

De novo, em vão. Toda a minha tentativa de trazer aquela senhora à razão revelou-se infrutífera.

Logo pensei para os meus botões e sem exteriorizar: essa senhora está a confundir procuração, substabelecimento e gestão de negócios.

Continuei insistindo, pedindo um espaço para redigir tal procuração, o que me foi recusado.

Perante tamanha insensibilidade e falta de sentido de servidor público, disse-lhe que a sua atitude seria objecto de um artigo de opinião para que todos ficassem a saber que, na prática, Cabo Verde não é um Estado de direito, isso muito por culpa de muitas chefias intermédias. Acrescento agora, nem todas, diga-se, em abono da verdade.

Ora, terá sido isso que desencadeou a fúria daquela senhora contra mim, dizendo que era livre de fazer tal artigo, tendo-se dirigido a mim pedindo-me que abandonasse a sua sala. Logo dei por mim a pensar que aquela senhora estava a pensar que estava em sua casa. Tudo isso na presença de dois subordinados seus, agentes de 2ª classe (uma senhora e um senhor), que se mantiveram calados e perplexos, a quem pedi que me servissem de testemunha sobre a atitude da “chefe”. Mas, ao que pude perceber, se calhar, não deveria contar com eles, pois, não estavam dispostos a entrar em conflito com a mesma.

Porém, não desisti. Já no hall do aeroporto, e depois de ter redigido a tal procuração, pedi novamente à Srª agente de 2ª Classe que fosse disso informar a sua chefe, o que, com alguma relutância, acabou por fazer. De regresso, informou-me que a chefe não iria voltar a receber-me e que fosse tratar do assunto directamente na Direcção de Emigração e Fronteiras que, como bem sabia, por ser um sábado, encontrava-se encerrada, colocando-me na impossibilidade de, enquanto colaborador da justiça, fazer o meu trabalho.

Mas, ainda que o Serviço de Emigração e Fronteiras estivesse aberto, com que legitimidade e de que me serviria lá ir sem procuração, portanto, sem estar mandatado pelo detido?

E na 2ª Feira, 04 de Dezembro, soube que o detido em questão fora expulso domingo à noite.

Ora, da mesma forma que não defendo a entrada de estrangeiros no País sem regras e sem meios de subsistência, também defendo que, chegados a Cabo Verde, e em caso de detenção, lhes seja garantida a possibilidade de contactarem Advogado como mandam a Constituição e as demais leis da República, sob pena de se estar a prestar, no mínimo, um mau serviço à nossa diplomacia africana.

É que, o direito de qualquer detido contactar directamente ou por intermédio de familiares um advogado da sua confiança, é tão importante que teve dignidade constitucional.

Assim, ao não permitir-me, por mera birra, contactar com o cidadão detido (qualquer que seja a sua nacionalidade), a “chefe” violou de forma grosseira e propositada os artigos 30º, nº4 da Constituição da República de Cabo Verde e 7º do Código de Processo Penal, nos termos dos quais “ Toda a pessoa detida ou presa deve ser imediatamente informada, de forma clara e compreensível, das razoes da sua detenção ou prisão dos seus direitos constitucionais e legais, e autorizada a contactar advogado, directamente ou por intermédio da sua família ou de pessoa da sua confiança”.

Ora, não será seguramente desta forma e com atitudes desta natureza que Cabo Verde irá afirmar-se na CEDEAO que pretende evoluir de uma comunidade de Estados para uma comunidade dos Povos, em que os direitos dos cidadãos da comunidade serão escrupulosamente respeitados, como sonharam seus pais fundadores.

Tenho por mim que, nos serviços de fronteiras, onde se cruzam pessoas de diferentes nacionalidades, culturas e sensibilidades, deviam ser colocadas pessoas com alguma sensibilidade quanto ao respeito pela Constituição e demais leis da República, e sei que actualmente no seio da corporação policial há muitas pessoas licenciadas em Direito, o que à partida, dão garantia de um tratamento mais consentâneo com o que deve ser um Estado de direito, onde a Constituição e as demais leis da República são para serem respeitadas por todos.

E, sem querer tomar a árvore por floresta, onde pára o Estado de direito em Cabo Verde?

José Carlos Furtado 

*Advogado

Comentários  

0 # José Carlos Furtado 07-12-2017 09:16
Exmo. Sr. Fantasma “Gramática de Ulisses”.
Não deveria estar aí a discutir com fantasma, pois, uma pessoa que cria falso perfil para ofender outra só tem duas explicações: ou não tem capacidade para aguentar um debate ou é covarde. Ou será cobarde?
Vou-te explicar os conceitos.
1-8 Horas de manhã corresponde a “cedo de manhã” e 11 horas de manhã corresponde a “tarde de manhã”.

2-Veja que o texto fala de retido. Acrescentando logo, entenda-se, detido pela Polícia de Fronteiras. Ora uma pessoa pode ficar retida no aeroporto porque, por qualquer motivo, o avião não descolou. No entanto, essa pessoa está livre para se movimentar para onde quiser, dentro ou fora do recinto, até a hora do embarque. No caso em concreto, retido ou detido, pouco importa, pois, a pessoa estava trancada num quarto sem poder movimentar-se livremente.

3-Quanto a “pela 1º vez” em vez de “ pela 1ª vez”, tem razão, caro professor. O Sr. viu erro onde qualquer analfabeto veria um “lapus calami”. Devo reconhecer que a sua capacidade em descobrir erros linguísticos faz enveja a qualquer filólogo.

4-Custa-me acreditar que o Sr. Professor não tenha entendido ou depreendido do contexto do texto em como o ocorrido possa fragilizar a nossa diplomacia africana.

5-Por último, devo confessar que o fantasma está em vantagem em relação a mim, pois, me conhece e o inverso não é verdade. De qualquer forma, termino dizendo que pela inocuidade dos seus comentários resulta evidente que o fantasma deve saber pouca coisa para além do seu nome. E por ser fantasma, dou por encerrado esse debate, só voltando à carga caso tiver coragem de se identificar.
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0 # Manual de Ulisses II 07-12-2017 11:12
Oh Sr. Dr., pelas informações que circulam, o cidadão guiniense não foi detido porque sequer chegou a sair da zona considerada área internacional do aeroporto da Praia. A tal área de facto é pequena. Mas o aeroporto também é pequeno. Se o espaço é do tamanho de um quarto ou de um campo de futebol é outra "estória". Portanto, ao contrário do que o advogado afirma, não houve detenção. Isto ficou claro e evidente. A Polícia não errou no procedimento. Há mais de 15 anos (muito antes do período em que o sr. advogado desempenhou funções como de[censurado]do) em que a Polícia de Fronteira faz controlo da entrada de cidadãos da CEDEAO (e de outros) nos aeroportos internacionais de Cabo Verde. É que, pela sua informação, este país nunca cumpriu a parte do acordo da CEDEAO relacionada à livre circulação e a culpa não é da Polícia que está tão somente a fazer o seu trabalho. Insistir com a Polícia para tentar fazer entrar no território nacional alguém que não cumpre os requisitos mínimos para o efeito, é leviandade. O sr. advogado no seu arrazoado, em vez de “atacar” a Polícia, devia interpelar o Governo ou mesmo o Presidente da República sobre o motivo de Cabo Verde nunca ter implementado na íntegra o acordo da CEDEAO. Ato de covardia é o tratamento que deu à chefe da Polícia no artigo, chamando-a inclusive de incompetente de forma subentendida. Sobre o anonimato, tem de ter paciência. No mundo das comunicações eletrónicas quem manda são os anónimos. Estes homenageiam quem merece ser homenageado. Mas também bate duramente nos trapalhões que é o seu caso. O sr. advogado pode ficar tranquilo que eu não tenho “enveja” do senhor. Devia era ter me agradecido pelos comentários...
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0 # Cidadão Santiaguense 06-12-2017 18:37
O caso em apreço merece, do meu ponto de vista, mais do que um artigo de jornal. Deve ser esclarecido ao mais alto nível . Não faz sentido que o Estado de Direito fique refem de boa disposição ou azia de qualquer operacional da POP. O comportamento da senhora ou tem cobertura legal ou não tem. Se tiver, o advogado que se cuide para a próxima; se não tiver, a Senhora deve ser responsabilizada! Isto é o Estado de Cabo
Verde. Não é um brinquedo para polícias de serviço.
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0 # Gramática de Ulisses 06-12-2017 17:58
Sr. Dr. José Carlos Furtado, o assunto é interessante mas a sua escrita em lingua portugeusa precisa ser afinada, sobretudo em se tratando de um advogado com mais de 15 anos de profissão. Escrever "... chegar cedo de manhã", "... pela 1º vez" não lhe fica bem. Também é necessário dar sentido, lógica e coerência nas afirmações que se fazem. Por exemplo, "... prestar um mau serviço à nossa diplomacia africana", o que se quer dizer com isto? Outra coisa, confundir RETENÇÃO com DETENÇÃO é muito grave para um advogado experimentado da praça...
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0 # Amilcar Santana 07-12-2017 00:53
Como português que sou achei muito bem escrito. Nos tempos que correm e depois do novo acordo ortográfico é ainda mais dificil encontrar pessoas que se consigam exprimir com tão boa qualidade principalmente fora de Portugal.20 valores.
Falando do tema em si: É INADMISSIVEL uma situação destas. Não se podem avaliar situações criminais graves como esta, só porque A ou B acha que, ou não apetece ao tecnico forense naquele dia fazer uma diligência. CV tem que dar ainda um passo grande nesse sentido. E as pessoas responsáveis por esta situação deveriam ser punidas exemplarmente.
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0 # Atento CV 06-12-2017 15:17
Dr. NHO CONSULTA LEI DE EMIGRAÇÃO E FRONTEIRA, É PENA Q KES POLICIAIS KA SOUBE ESPLICA NHO SITUAÇÃO MIDJOR. PORQUE INDEVIDUO ESTABA RETIDO E NÃO DETIDO, RETENÇÃO NAS FRONTEIRAS TA FASEDO NA UN ZONA INTERNACIONAL POR ALGUM MOTIVO DE DOCUMENTAÇÃO, MAS KA TA ASISTIS NEHUM DIREITO DE "DETIDO" PQ AINDA É KA ENTRA NA TERITORIO DE CV. KES PROCEDIMENTO LA É INTERNACIONAL NORMAL NA TD FRONTERA. AGORA MAU ATENDIMENTO É OTO KUSA.
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0 # Defensor oficioso 06-12-2017 12:21
Que o cidadão devia ter direito a assistência jurídica, isso é verdade e nesse aspecto a Polícia falhou. Contudo, creio que ninguém duvida que é preciso controlar a entrada de estrangeiros em Cabo Verde. Acontece em todos os países. Acho que nesse caso, o estrangeiro, de qualquer forma teria de ser repatriado porque não cumpriu um quesito essencial que é comprovar meios de subsistência após entrada no país. Relativamente ao advogado Contradição do advogado: disse o advogado, depara-se no artigo dele a seguinte contradição: ele disse que levou a procuração e que só faltava o cliente dele assinar. Mais adiante disse que pediu um espaço para redigir a tal procuração, o que lhe fora recusado. Ora, em que ficamos?! Um causídico a entrar "cedo de manhã" e publicamente em tamanha contradição dessa forma, fica muito feio! Caramba, pá!
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0 # Djuntamoh Afrikanu 06-12-2017 10:57
Parabens Sr. JC, un artigu, un atu di sidadania, izenplar!
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+1 # José Realista 06-12-2017 10:33
Senhor Advogado, essa postura do Policial não me estranha, porque, eu em tempos, um chefe de Polícia tentou intimidar-me. Um colega dele Polícia bateu na minha viatura enquanto eu ia estacionar. Ele não conseguiu porque não rendi, e acabou por ficar envergonhado, porque página às tantas, ele não aguentou a minha pedalada, que modéstia parte, revelou-se mais forte que a dele. Não seu, eu acho que deveria ir por alem desse artigo, dito de outra forma, levar-lhe para a instancia superior. Eu não generalizo, mas há muitos que precisam mudar de profissão, porque para polícia não servem, até porque é uma vergonha para classe .
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0 # Olimpio varela 06-12-2017 09:56
Enquanto isso ocorre e na mesma hora podia chegar um colconizador contra quem, eventualmente,aquele guineense lutou até obtermos a nossa independencia e entrava mediante, apenas, com a apresentação do passaporte a identificá-lo como europeu. Muita coisa errada nesta terra!
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0 # Veró 06-12-2017 15:22
POIS... esse complexo que nos leva a destratar e minimizar os nossos irmaõs é o mesmo que nos faz baixar o cabeça e dizer SIM SENHOR para os ditos "colonizadores"...
só muda a "roupagem" em um caso é de inferioridade e no outro e de superioridade...
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+1 # Di Fora 06-12-2017 08:16
É assim que Cabo Verde quer afirmar-se na África, com candidaturas para BAD's, CEDEAO's e "otras cosas mas"?
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