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 francisco carvalho

1. Tomemos como ponto de partida a seguinte ideia: o problema não está diretamente na “venda do liceu”. O problema estará no “significado da venda do liceu”. O problema é mais abrangente, está em muito do que se situa à volta do processo e a forma como foi e tem sido conduzido. Forçosamente, teremos de olhar para todos os lados desta venda. O filósofo Ortega y Gasset dá razão a esta forma de olhar à volta quando profere a conhecida frase: “eu sou eu e as minhas circunstâncias”. As circunstâncias têm o poder de definição e entendimento. Além de olhar à volta, temos ainda de olhar para além do evidente que se apresenta diante dos nossos olhos, na linha do defendido pelo sociólogo Pierre Bourdieu: “é preciso olhar para além das cortinas”. Olhar as circunstâncias e olhar para além daquilo que nos mostram. Olhar para aquilo que não nos mostram e, logo, tentam esconder;

2. Parece-nos que o motivo de toda esta indignação que estamos a presenciar em torno da “venda do liceu da Várzea”, reside no elevado grau de repulsa e antipatia que a ideia de venda de património do Estado está a atingir no seio da sociedade caboverdeana! Para termos uma ideia da evolução desta situação, é muito importante notarmos que, nas redes sociais, chegou-se ao ponto de o Primeiro-ministro do país ser apelidado de “rabidante de luxo”, em alusão à ideia de alguém que tem na ‘revenda’ um modo de vida – sem qualquer desprimor para @s rabidantes.   Neste caso, seria mais alguém que vende um bem público – uma escola – que é de todos os caboverdeanos. Assim, uma questão que se torna central é a de se saber como irá reagir a população quando mais patrimónios como, por exemplo, se começar a vender os lucrativos aeroportos? O desafio é abandonar as vendas dos bens do Estado ou negar e desvalorizar a crescente indignação e, assim, comprar um perigoso risco de explosão social!

3. É fundamental perceber que a gravidade da venda do liceu da Várzea reside no facto de ser uma estratégia já utilizada ao nível da Câmara Municipal da Praia e que, agora, é levada para o Governo da República: há um refinamento da venda de terrenos que passa por identificar e vender os derradeiros pedaços de terra disponíveis dentro da malha urbana. São exemplos disso os últimos recortes de terrenos vendidos às entradas de Ponta d’Água, mesmo nas ourelas da rotunda; da Fazenda, logo a seguir à estação da Shell; e da Prainha, depois da rotunda da subida de Poeta, na Achada de Santo António; tudo, revolvendo essas encostas, sufocando com betão os últimos pedaços de chão bem localizados nos cruzamentos e pontos de maior circulação para criar a sensação de trabalho. Certamente, terá contribuído para o avolumar desta indignação popular, o recente caso da alegada oferta do terreno também na Prainha, a um ex. Embaixador da União Europeia em Cabo Verde – oferenda justificada publicamente como tendo sido em nome dos “relevantes serviços prestados à Nação”. Vendas que, juntas, constituem o reforço da ideia de que os terrenos só serão entregues aos detentores de maior poder económico;

post tony kaya sobre praia

4. É imperioso notar que a venda do terreno com o liceu da Várzea acontece ainda neste período turbulento, em que há uma onda crescente de contestação provocada pela tragédia do fim de toda a parte da praia da Gamboa, depois do antigo “Ponto Bedju”; da ocupação de mais de metade do areal da Prainha por um investimento direto estrangeiro; do fim da praia de Maria Virgínia, reservada para um novo bar; e da criação da cortina de bares à volta da praia de Quebra Canela. Vem se juntar ainda a destruição da Praia Negra, ocorrida por volta dos anos 90. Neste contexto, é ilustrativo, o desabafo lancinante do artista praiense Tony Kaya: «Cidade da Praia comemora e assinala a morte das suas praias! Praínha, Kebra Kanela, Gamboa, Praia Negra. “Ningen pa tadja!»

5. Será esta onda de indignação o sinal de uma réstia de esperança de que – uma franja significativa da sociedade – já começou a ter uma ideia mais clara das consequências que representa o risco da concretização da venda das 25 empresas, cuja lista o Governo da República publicou no Boletim Oficial do dia 3 de agosto de 2017? Enquanto isso, já se está a viver a confirmação da aposta em vender tudo que é rentável de modo a transferir para os amigos as riquezas do Estado. É o regresso de uma estratégia já utilizada nos anos 90, em que foram vendidas inúmeras empresas do Estado, entre as quais a Cabo Verde Telecom e a Electra, recuperadas mais tarde, a partir de 2001, com mudança de Governo. Arriscamo-nos a afirmar que pelo menos 41% de caboverdeanos não sabe o que significam nomes como: EMPA, ENAVI, Arca Verde, EMEC, SONACOR, TRANSCOR, CABNAVE, SCAPA e Justino Lopes. Se a esses 41% que tinham 18 anos no final da década de 90, somarmos mais uns tantos que não se importaram com o rumo dado ao país, então, assim poderemos perceber uma amnésia social tão grande que pode explicar o regresso de, exatamente, os mesmos “vendedores” ao poder para finalizarem o processo de “privataria” iniciado 25 anos atrás: vender o Estado!

6. Na teoria dos movimentos sociais, a venda do liceu da Várzea é aquilo que se designa de “gatilho” capaz de despoletar uma situação latente que estivesse à espera de um derradeiro empurrão. A verdade é que as circunstâncias atuais são caracterizadas por um ambiente social de vendas: TACV foi vendida; a ligação aérea entre as ilhas foi vendida à Binter; as ligações marítimas foram vendidas à Transinsular; o mar foi vendido para exploração da pesca. Daí, a necessidade imperiosa de olharmos para além da venda isolada do liceu da Várzea – uma simples cortina de fumo – e, sobretudo, esta é a hora de as autoridades governamentais começarem a perceber que vender património do Estado – às claras ou às escondidas – poderá estar a tornar-se perigoso para quem vende e arriscado para quem compra!

 

  • Cabo Verde: "Favorecimento” na aquisição de terreno pelo ex-representante da UE? (16 jan 2018)

https://www.dw.com/pt-002/cabo-verde-favorecimento-na-aquisi%C3%A7%C3%A3o-de-terreno-pelo-ex-representante-da-ue/a-42167915

  • Denúncia de eurodeputada portuguesa agita dirigentes políticos cabo-verdianos (9 jan 2018)

https://africa21digital.com/2018/01/09/denuncia-de-eurodeputada-portuguesa-agita-dirigentes-politicos-cabo-verdianos/

  • Governo avança para privatização de empresas públicas (12 ago 2017)

https://expressodasilhas.cv/economia/2017/08/12/governo-avanca-para-privatizacao-de-empresas-publicas/54315

Comentários  

+4 # Francisco Avelino Vi 14-05-2019 17:37
Dr. Luis Nunes, excelente comentário, mas discordo do seu conteúdo.
1. A eleição de um Governo em democracia não impede que outros cidadãos, mesmo que não eleitos, tenham opinião diferente do Governo;
2. Mais grave ainda é afirmar que todas as compras têm total garantia de total legalidade. Era mesmo isto que queria dizer?
3. O texto não trata do liceu da Várzea. O texto não é casuístico. É um texto que procura sublinhar um aspeto comum que é a venda do património do Estado, onde se inclui também a questão do liceu que está na ordem do dia. O texto aborda uma forma de atuação;
4. Desde quando é que vender o património do Estado é "bem comum"?
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+2 # Atento 19-05-2019 05:29
Esse sr. Francisco, pela forma como escreve e principalmente o poder analitico e e em explicar... deveria estar no parlamento ou como presidente da camera no nosso plateau. Agora a pergunta que pode fazer é porqué que nao chegou ali... de calhar näo é competente?

Atento
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-3 # Luiz Nunes 14-05-2019 00:13
Dr. Francisco Carvalho, excelente artigo, mas discordo do assunto específico Liceu da Várzea.
Em primeiro lugar, um Governo eleito democraticamente representa o povo, logo a “procuração recebida atrvés do processo eleitoral” lhe ortoga a legitimidade para fazer o que foi feito representado sim os interesses do povo Caboverdeano.
Em segundo lugar, afirmar que ”já se está a viver a confirmação da aposta em vender tudo que é rentável de modo a transferir para os amigos as riquezas do Estado” penso ser algo grave, que caracteriza o peculato. Aliás acredito que as vendas passam por processo e trâmites públicos legais e quem compra tem a garantia de tal processo.
Finalmente o Liceu da Várzea que foi vendido gerou recursos que trarão benefícios à Educação que serão utilzados na construção de outras escolas beneficiando ainda mais alunos. Vai beneficiar também o relacionamento bilateral com os EUA, aprimorarando o mesmo, pois a América poderá ter um lugar para a representação Diplomática digno, nos moldes da Embaixada da China, Rússia, Portugal que estão juntas do Parlamento em Excelentes instalações. Já dizia o grande filósofo brasileiro Vicente Matheus: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!” A Sociedade tem sim que investigar, cobrar e até fiscalizar às ações do Governo, independentemente do Partido que Governa. Mas também tem que reconhecer os acertos e apoiar iniciativas dos Governantes para o bem comum independente do viés partidário! Os governantes passam, os partidos se alteram no poder, mas o todo, que é a Sociedade, o país permanecem, por isso que sempre deve falar mais alto aquilo que visa o bem comum!
MC,
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+3 # SÓCRATES DE SANTIAGO 13-05-2019 22:14
Subscrevo, ipsis verbis, a douta opinião do nosso amigo Francisco Carvalho. Por mais argumentos que se possa apresentar, VENDER UMA ESCOLA PÚBLICA, PATRIMÓNIO NACIONAL, isto não lembrava nem ao DIABO. Em verdade, em verdade vos digo, matou- se a ALMA da VÁRZEA a troco de dólares americanos, vendeu- se uma parte da PRAIA MARIA a troco de vil metal. Este caso da Várzea é apenas mais mediático, mais grave, mais absurdo. Pois, esta música de vender começou a ser tocada há muito tempo, desde a Cova do Minhoto, passando pela Quebra Canela e Prainha a São Francisco. Parece até que o LEMA da Câmara Municipal da Praia e do Governo da República de Cabo Verde é VENDER, VENDER, VENDER... Efectivamente, nesta terrível febre de vender, nem o Cemitério se poupa, pois, increvelmente, um covato, hoje, no recém- inaugurado cemitério de Achada de São Filipe, custa cerca de 300 contos. Nem o FINADO se respeita nesta terra. ESTA É, POIS, A INSUSTENTÁVEL LEVEZA E IRRESPONSABILDADE DESTA CÂMARA E DESTE GOVERNO.
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+3 # Francisco Avelino Vi 13-05-2019 16:42
1. Talvez, o José António, na pressa, esqueceu-se de ler a seguinte passagem: "4. É imperioso notar que a venda do terreno com o liceu da Várzea (...)". Releia outra vez: a venda do terreno com o liceu. Com;

2. Se a venda do património é certeza de desenvolvimento, então explique porque razão depois de serem vendidas todas aquelas empresas na década de noventa (EMPA, ENAVI, Arca Verde, EMEC, SONACOR, TRANSCOR, CABNAVE, SCAPA e Justino Lopes) porque é que o desenvolvimento ainda não chegou?

3. Lamento dizer-lhe que não há investimento privado isolado que promova o desenvolvimento quando há políticas públicas desatrosas como, por exemplo, esta de gestão dos solos praticada atualmente na Praia e noutros pontos deste país.
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-3 # Neves 13-05-2019 22:07
Meu caro, a privatização da EMPA era imperativa, porque ditou a abertura econômica e livre iniciativa privada. Hoje temos comércio de importação e varejo por toda esquinas do país, com produtos diversos. A Transcor também representava despesas avultadas ao estado, e o privado explora em melhores condições. Apenas o transporte marítimo não desenvolveu, porque as ligações por enquanto não são competitivas para o privado.
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+3 # Francisco A.Carvalho 13-05-2019 23:49
1. "A privatização da EMPA era imperativa". Esse imperativo era em nome de quê?

2. "A TRANSCOR também representava despesas avultadas ao estado" porquê?
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-3 # Mário Costa 13-05-2019 19:09
Talvez um dia, o senhor Francisco Avelino Vi entenda que o Mário Costa e os partidos da situação também fazem parte da sociedade cabo-verdiana e têm direito a dar a sua opinião.
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+3 # Francisco Avelino Vi 13-05-2019 16:26
Talvez, um dia, o Mário Costa perceba que os partidos políticos da oposição, neste caso, fazem parte da sociedade caboverdeana.
Talvez, um dia, também, o Mário Costa entenda que nos partidos políticos e nas sociedades, pode haver diferentes posições que apontam para o mesmo sentido, neste caso é de repulsa e antipatia face à venda. A democracia permite essa diversidade de posicionamentos.
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-4 # Mário Costa 13-05-2019 14:28
Ao tentar dizer que o problema não é este negócio (a transação do terreno onde está situado o liceu da Várzea) mas sim as outras “vendas”, está a justificar a precipitação da sua líder, ao mesmo tempo que atribui o barulho à população. Distração da sua parte. O barulho começou com a intervenção precipitada, demagógica e populista da sua líder. Não atribua injustamente este despropósito à população. Alias, impunha-se, passado este tempo fazer a pedagogia política e não se desresponsabilizar. Mas é claro que isso não interessa a uma parte do PAICV (seguidores da líder).
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-5 # josé antonio 13-05-2019 11:18
Palvras para boi dormir. O PROBLEMA do teu entendimento é banal. Não se vende o liceu da varzea. Vende-se o espaço onde se encontra o liceu. Esse liceu já não tem condições. Na zona onde está não se justifica. Repara meu caro, porque não dizer que ali há traficos de droga, um lugar onde existem perigos para os estudantes que fomos vendo desde o inicio desse liceu? porque tentar "mentir" a olhos vivos? porque não falar do liceu que vai ser construido e só depois de ser construido e com melhores condições que o da varzea srá vendido o local? Em que país do Mundo se vende um liceu? Aqiui o problema não é vender o lice - explica-se- vende-se sim o espaço onde está o liceu e não o liceu... porque não fala sobre isso. tens algum interesse nisso? Os países que hoje estão desenvolvidos, o são graças ao ivestimento privado. Recordo-me que sendo de vila nova, nos anos 80 ainda so existima terras e estarada de terra. Não fosse a mão privada, não fosse os cabo-verdinaos que investiramn ali a vila nova estria na mesma situação que os anos 80. E tu queres que CAbo Verde contiue assim? Explica, e seja realista com a tua análise e não tentes deturpar ou enganar os cabo-vedianos.
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