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Alguém me chama com uma voz simpática, Domingos, Domingos. Quem é esta pessoa que está a chamar-me com tanta insistência nesta manhã sombria de Abril…? Viro a cara para o lado de onde vem aquela voz melódica, simpática, meio familiar, e quem vejo? Victor, o meu velho amigo de infância, hoje meio grisalho, mas conservando aquela vivacidade e brejeirice próprias de “rapasinhus di fora”, habituados, desde tenra idade, a viver soltos pelos campos, sem governo e sem horário. Livres, portanto!

Que surpresa mais agradável! O meu amigo vive em Portugal há 38 anos. Deixou Cabo Verde quando contava apenas 15 anos. De modo que se fez homem e profissional nas terras lusas, onde constituiu a sua família, mas nunca se esqueceu do seu país natal, que visita todos os anos. E guarda, como se fosse uma relíquia, ou algo sagrado, dir-se-ia segredos de alguém que nunca saiu desde país, todas as lembranças da infância e parte de adolescência vividas no interior de Santiago, lembranças essas que partilhamos sempre que nos encontramos, ao mais pequeno detalhe, como se fossem novidades, entre ruidosas gargalhadas que só ele sabe dar.

Victor é daquelas pessoas que consegue rir com o corpo todo, com as mãos, os olhos, as orelhas, até os cabelos. Alegre, este meu amigo de infância!

Abraços, palmadas nas costas e logo a pergunta impreterível: “quando é que chegaste”? Aqui, o semblante do meu amigo muda, fixa os olhos claros nos meus e atira: “cheguei esta manhã. Saí de casa ontem e só cheguei hoje, porque tive que passar uma noite na ilha do Sal”. E eu, sem palavras, balbuciei: “tem que ser”. E o Victor, contrariado: “mas o que é isso? E ele mesmo respondendo: “algo está errado. Praia com aeroporto grande. Estamos a andar para trás…” E eu: “sim. Temos que ver isso”.

Como o meu amigo estava a caminho da Câmara Municipal onde pretendia pagar o imposto de circulação da sua viatura, antes de começar a visitar familiares e amigos, despedimos, e cada um foi à sua vida, porém, não sem antes combinarmos um encontro mais descontraído para ainda este fim de semana.

A tristeza do meu amigo, as observações que fez sobre a sua viagem com escala no Sal, tomaram conta dos meus pensamentos durante toda a manhã e, de repente, dei comigo a entender que, de facto, a instalação do Hub aéreo naquela ilha, da forma como está sendo feita, resulta num grande retrocesso para a maior ilha do arquipélago, em particular, e para a região sotavento, no seu todo.

Estamos a falar de uma ilha onde vivem cerca de 52% da população do país e que faz ponte com mais 3 ilhas do sul do arquipélago – Fogo, Maio e Brava – a chamada região sotavento.

E isto, sem entrar em grandes detalhes teóricos, interpelam o país para a seguinte reflexão: a governação de um país tem como fundamento servir as pessoas, com eficiência e eficácia, visando a satisfação do interesse público, na base da racionalidade, da legalidade, da transparência, entre outros princípios caros aos regimes que se dizem democráticos.

Embora não conhecendo quaisquer dados técnicos, financeiros e económicos sobre esta medida do Governo em instalar o Hub aéreo na ilha do Sal, tudo aponta que os cabo-verdianos aceitam de barato a ideia, na perspectiva de que poderá, a prazo, trazer ganhos para o país, no quadro da mundialização da economia nacional.

No entanto, fica complicado entender esta ideia de impor escalas no Sal para as viagens internacionais. Sobretudo porque, até este momento, o Governo não explicou os fundamentos desta medida a quem sustenta o negócio – os cabo-verdianos.

Por isso mesmo, especula-se muito sobre o assunto. É que as pessoas querem entender o porquê das coisas, e precisam de respostas, que até è um direito constitucionalmente consagrado.

Assim, como diz o meu amigo Victor, algo está errado, mesmo que seja apenas na comunicação. Será que estamos a andar para trás? Como Kutubenben! Ou isto aqui é um crime premeditado, para beneficiar uns e sacrificar outros?...

Comentários  

0 # RVV 19-04-2018 15:36
Verdade verdadeira
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+1 # Augusto Borges 17-04-2018 11:01
Excelente reflexão
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0 # Zepa Mandinga 16-04-2018 12:04
Claro está, Domingos, que estamos a andar para trás. E esta é só uma pontinha do iceberg. A questão do hub do Sal é só um detalhe do pouco caso que se está a fazer do eleitor cabo-verdiano, dos cidadãos em geral: não se informa devidamente, trazem-se desinformações e botam-se poeira aos olhos e, outras vezes, ameaça-se abertamente ou fazem-se represálias, de forma tão ostensiva que lembra os feitores a açoitarem os negros infratores (????), só com o fito de assustar, à precaução, os eventuais justiceiros. QUEREM NOS TIRAR O GOSTO DE SERMOS CABO-VERDIANOS. CONSEGUIRÃO? Tenho esperanças que haja muitos crioulos capazes de pensar como esse teu amigo!
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+1 # SÓCRATES DE SANTIAGO 14-04-2018 20:09
Gostei da crónica, caro Domingos. Já agora, quando é que teremos de novo as célebres "Crónicas di Fora"? Meu caro, o teu amigo Victor, emigrante, tem toda a razão. Sinceramente, estamos a ser governados por um GOVERNO KUTUBENBEN que só anda para trás e, perigosamente, sem "jobe pa ladu" e nem um farol sequer aceso. Transferir a base e toda a logística da TACV para o Sal e vendendo a linha doméstica ao BINTER é um negócio/negociata que prejudica enormemente a ECONOMIA DE CABO VERDE e, sobretudo, a ECONOMIA DE SANTIAGO e de SOTAVENTO. E nós, cabo-verdianos, e nós santiaguenses e nós sotaventenses já começamos a pagar o pato. E os emigrantes, então?... Apenas o Senhor Ulisses e o seu GOVERNO KUTUBENBEN andam sorridentes com o SEU HUB/RABU no Sal, apenas eles não querem ver a angústia estampada na cara dos cabo-verdianos e sobretudo na cara dos santiaguenses, em virtude desta LEVIANA E ABSURDA MEDIDA tomada pelo MPD E O SEU GOVERNO. Ainda sobre KUTUBENBEN, isto me faz lembrar um extracto de um poema do nosso saudoso poeta Oliveira Barros, o nosso DICK, que diz o seguinte: " Kutubenben/Bitchu mufinu/Bai bu kaminhu/Pamodi bu ta kori só kadera trás". Talvez aludindo à situação colonial vivida na altura e, hoje, curiosa e tristemetente, a SITUAÇÃO NEOCOLONIAL por nós vivida, quatro década depois da INDEPENDÊNCIA NACIONAL. Um dia, caro irmão, emigrante Victor, um dia, caro irmão cabo-verdiano e santiaguense, um dia, mataremos de novo o KUTUBENBEN e devolveremos a dignidade e a alegria ao nosso povo. Mantenha socrática e santiaguense a ti Domingos e ao Victor!
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+2 # INDIGNADO 13-04-2018 20:57
Crime premeditado ao milímetro para benificiar "amigos" bem identificados entre os quais os bosses do governo e do partido que o sustenta, prejudicando sem dó nem piedade o povo das ilhas. Implementar politicas que deterioram as condições de vida e de bem estar ja adquiridas pelo povo com a construção dos aeroportos internacionais da Praia e de S. Vicente, a favor de um hipotético Hub, mesmo que aviões se deslocam quase sem passageiros e o estado continua injectando mais de um milhão de contos do dinheiro dos contribuintes e a pagar mordomias aos tecnicos da Icelandair. Desde que a Binter continue a facturar milhoes com o monopolio dos transportes nacionais e lhe seja garantida com o hipotético hub negócio e mais negócio transportando os passageiros do sal para as outras ilhas, cuja facturação será depois repartida com os "tais accionistas" da Binter. E é o povo a pagar várias vezes. Paga os aeroportos construídos e transformados em elefantes brancos, paga as mordomias e caprichos da icelandair, paga o suposto e ineficiente HUB, paga preços mais elevados a binter e paga as passagens do sal para a s outras ilhas. O povo está a ser fodido por este governo de todas as formas.
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+1 # Torres 13-04-2018 20:50
Um artigo inédito! faltava UCS, ler esse artigo antes da notícia das 20 horas de hoje. seguramente teria mais cautela no seu decurso.
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+2 # Di fora, mas ka buro 13-04-2018 17:59
Por mais que se queira, por mais justificaçao que se arranje, fica dificil aceitar este retrocesso.
Santiago nao pode continuar a pagar esta pesada factura apenas para viabilizar um negocio que afinal a TACV tambem faria se a ela fosse dada as mesmas oportunidades
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+2 # Zeca 13-04-2018 16:32
De facto só prejudica os passageiros, o pais no seu todo. Tirar o HUB aereo da capital do pais, instalar numa ilha somente de turismo, é regredir em todos os aspectos e unico caso visto no mundo. Dois beneficiarios? tecnicil imobiliaria! Vai ver o seu resort de luxo abandonado ser realojado pelos funcionarios da TACV pago a peso de ouro em rendas. Segundo. TAP Portugal. exclusivo e cada vez mais decisivo nos interesses aereos do pais. Preços carissimos para uma viagem de 4 horas. só roubar!! Obrigado sr, ministro Olavo.
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+1 # Cidadão 13-04-2018 15:35
Gostei meu caro, principalmente da Relíquia. Abraço.
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