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Por: Mana Guta

CONTO DE CAMÕES CRIOULO, SEM DIREITO AO 114º

Então Camões tomou a palavra e disse:

- Ndemu komparason, ou faz de conta que, tinha dois caminhantes cansados e sequiosos. Um era de “Perdi Ka Bu Buska”, se perder nem busques, e o outro era de “Buska bu ta atxa”, se realmente procurares, haverás de encontrar.

Numa encruzilhada do caminho se encontraram. E nessa encruzilhada tinha um homem com um moringo de água fria.

“Dá-me de beber”, disse um; “dá-me de beber”, disse outro.

“O meu moringo tem água fria. Tem a água fria da fonte. Quem me disser quem é, quem melhor o fizer, esse há-de beber.” Disse o Homem.

“Eu sou DE ONDE VENHO; e assim me chamam”. Disse um.

“Sou PARA ONDE VOU” disse o outro.

O Aguadeiro achou por bem dar de beber ao DE ONDE VENHO. Mas o Sábio, quando soube, repreendeu-o, dizendo:

- O DE ONDE VENHO está completo. É passado. Davas tu de beber ao PARA ONDE VOU.

Ele traz nele o DE ONDE VENHO e ainda está por se fazer. Assim fizesses, terias sido justo e sábio.

Enquanto as crianças pensavam, Camões disse:

- Tenho sede. Quem é que tem mão doce e consegue me trazer uma caneca de água fria?

- Eu!!!!

Foram as dez crianças à procura de água para o Camões beber.

Camões Crioulo, como todos se lembram, é o nome de Luís, o Codê, que nasceu no livro Outras Pasárgadas de Mim. Irmão mais novo de Clara, a Preta, que ficou na história como Netinha Sabida, nome da sua avó Clara, de Dona Tuda, de Compá Ntone. A Avó de Clara e Mãe de Fica era chamada de Mãe de Sete, pois teve sete filhas, uma atrás da outra: a Rosa, a Rosinha, a Rosita a Rosenda, a Segunda, a Quinta e a Sábado. Depois destas filhas, ainda teve um rapaz, o Sim, e só no fim é que teve a Fica, Mamã de Clara Preta e de Camões, o Codê.

Camões cresceu muito. E está aqui hoje, para ensinar aos meninos a grande viagem até lá longe… onde começam as descobertas.

Camões Crioulo é um rapaz sabido. Taludo e paciente, conta histórias queridas e outras que lhe pediam. Era feliz no lugar da magia, o menino Codê de tempos diazá.

As histórias da infância guardava ele, na Casa de Tranças. Camões construiu onze banquinhos, com cores e nomes. Para grandes e meninos, daqui e de lá, de todas ilhas... até a diáspora.

Hoje ele nos aparece, assim, saindo do seu novo livro de contos, que ainda nem foi lançado, a ver se os adultos, homens e mulheres que juraram cumprir com lealdade e zelo a sua função, entendem a parábola do Livro Grande: mas sem direito ao 114º.

Quem souber mais… que conte melhor. E que o mais pequenote possa correr atrás da nossa fortuna que está quase entrando no Mar.

Comentários  

+1 # Inácio Barros 09-12-2017 12:31
Estou rendido diante desta sua inovadora forma de narrar, Mana Guta. Dizer-lhe que mais? Bem, ainda posso acrescentar os votos de sucesso e boa continuação.
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+1 # SÓCRATES DE SANTIAGO 06-12-2017 20:19
Gostei do conto, ó Mana Guta. Não só pelo título, já por si só muito ilustrativo, como também pelo conteúdo impregnado de imaginação, criando um certo efeito de realismo ou maravilhoso mágico. Uma outra coisa digna de nota nos vários contos seus que eu tenho lido é também um certo intertexto, sobretudo na construção das personagens, em que estas e, por vezes, as suas histórias, são retomadas e desenvolvidas ao longo de vários contos, embora com enredos diferentes, técnica esta, diga-se de passagem, pouco usada na nossa narrativa de ficção, o que, neste seu caso concreto, constitui uma suave inovação muito digna de nota. Escreva, minha cara patrícia Mana Guta, pois a nossa escritora está a revelar-se uma contista de mérito e há todo indício de que possui narrativas mais de fôlego na gaveta. Para quando uma novela ou um romance... Olhe que São Miguel promete e a nossa Eurídice Monteiro já deu um grande ponta-pé de saída com o célebre romance "A PONTE DA CAYETONA". Sim, escreva, que Santiago e Cabo Verde bem merecem ouvir essas lindas narrativas feitas com amor e alma, com amor e alma sobretudo deste nosso chão profundo que é o interior de Santiago. Cumprimentos socráticos!
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0 # Mana Guta 07-12-2017 10:16
Muito obrigada pelo incentivo, Caro Sócrates de Santiago! Aproveito para agradecer a todos os demais leitores que se dignaram a comentar, apoiar, ou simplesmente ler. No prazer do texto, Mana Guta.
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