Estado de emergência é estado de excepção. Assim o define a lei. Assim o define os seus objetivos. As famílias estão em estado de confinamento. Sair à rua só em situações pontuais, para tratar de assuntos justificáveis. A partir de agora, só com máscara. É a redução natural dos direitos individuais e coletivos do cidadão. O que se compreende naturalmente, tendo em conta o momento por que passa o país e o mundo. Coronavírus não tem cara, é invisível, exigindo que cada um se esconda o mais possível da sua saga destruidora. E não há melhor lugar para se esconder do que o nosso próprio lar.
O governo, ciente desse fato, decretou desde o primeiro momento: “nhos fika na kasa”. O mais alto magistrado da nação, aquele que detém o poder de decretar o estado de emergência, fez uso das variantes de Santiago e de Barlavento da nossa língua materna para exortar os cabo-verdianos a ficarem em casa, ao decretar o estado de excepção. Para que ninguém venha desculpar-se de não ter entendido. E para que o poder Executivo tenha ferramentas legais para obrigar as pessoas a permanecerem em casa.
Os serviços públicos foram automaticamente fechados, salvo aqueles que lidam com a segurança, a saúde, o bem-estar social. Polícias e soldados foram colocados nas ruas de cidades e vilas para controlar as pessoas, e punir os contrafatores.
Entretanto, a Câmara Municipal da Praia, em plena pandemia, viola o estado de emergência – os serviços públicos, recorde-se, estão suspensos, salvo em casos prioritários e urgentes – e coloca famílias inteiras nos olhos da rua, quando a ordem institucional é: “nhos fika na kasa”. A que se deve esta sanha da Câmara Municipal da Praia?
O país vive um período difícil. O governo clama pela solidariedade de todos num momento sombrio como este. Qualquer observação, crítica ou sugestão, são imediatamente acenadas com um sinal de silenciamento, porque o momento é de solidariedade e não de críticas.
É verdade que assim seja. Milhares de cabo-verdianos, com baixa renda, uns, e sem renda nenhuma, outros, estão a sofrer todo o tipo de privação, em nome da solidariedade. Calados, porque o momento exige um esforço individual e uma entrega coletiva.
Porque, num país como este, em que o desemprego é endémico, o setor informal comanda a vida de homens, mulheres e crianças, a rua é praticamente o escritório comunitário que emprega e alimenta as famílias, paga educação, saúde, casa e vestuário. Enfim, num país como este, é a informalidade que paga as contas, enquanto o estado, de fato e gravata, assobia para o lado.
O coronavírus já mostrou que é assim. O estado que aprenda a lição, e passe a valorizar essa enorme massa humana que faz o país vibrar e crescer, sem grande stress para aqueles que se elegeram para trabalhar em nome de projetos coletivos, gerindo o dinheiro da nação, isto é de cada um de nós.
Mas será que a lição está sendo apreendida? Se sim, como é que o país encara a ação da Câmara Municipal da Praia, que foi arrombar casa famílias em pleno estado de emergência, onde a palavra de ordem é “nhos fika na kasa”? Onde está a legalidade desta acção municipal que ignora e arrogantemente se sobrepõe ao Estado de Emergência? Se o próprio Estado e empresas como a Electra e os bancos comerciais protelaram o corte, cobrança e descontos aos cidadãos, por que a CMP despe o fato de humanismo que apresenta nos ecrãs da TV para afrontar famílias e, consequentemente, ajudar a propagar o vírus que o país inteiro tenta manter distante? Qual a pressa se está tudo adiado? Perseguição? Ou tosca irresponsabilidade da CMP em atacar pessoas, quando o foco é o coronavírus?
É esforçado acreditar haver quem queira morar numa barraca. Se um homem constrói uma barraca para morar com a sua família, é porque é a última alternativa que lhe resta. E assim, esse homem é digno de solidariedade e não de represália.
Ter uma habitação condigna é um direito constitucional em Cabo Verde. O estado vem violando esse direito desde sempre. O povo nunca incomodou o estado por causa dessa recorrente violação dos seus direitos.
Nota-se que não existe uma política de habitação social no mais populoso concelho do país. As famílias de baixa renda não têm acesso aos lotes para construção urbana. Aqui na cidade da Praia os lotes são reservados para quem possui dinheiro, a quem são também permitidos grandes especulações imobiliárias.
Este facto tem empurrado os mais pobres para os cutelos e cobons da cidade. Os bairros degradados e o crescimento aleatório da cidade têm a sua génese no centro do plateau, onde está situado o gabinete do presidente da Câmara Municipal da Praia e dos seus principais colaboradores.
Em reacção e a este caso, a CMP emitiu no início da noite desta sexta-feira, 1 de Maio, um comunicado a explicar a situação. A nota diz, por exemplo, que “todas as construções clandestinas, sobretudo barracas, surgiram recentemente, ou seja, durante o Estado de Emergência, portanto não são construções antigas. Pelo contrário, são construções muito, muito recentes”. Mais, que “todos os infractores foram notificados para não avançarem com as construções, já que o espaço onde estavam a construir está integrado no Plano de Loteamento do Bairro de Alto da Glória, que será apresentado para apreciação na próxima sessão da Assembleia Municipal”, acrescentando que no referido bairro há previsão de loteamento de terrenos a favor de pessoas mais vulneráveis, no quadro de um programa de acesso à habitação da CMP, que prevê cedências de lotes às famílias que constam do Cadastro Social Único, e as famílias abrangidas pelo programa – PRACIMP (Programa de Regularização de Assentamentos Informais).
Para a CMP, “as referidas construções, para além de serem ilegais, colocam em causa todo o projeto urbanístico do bairro”, e di-lo como se neste momento alguém está preocupado com a beleza da cidade. Não, a saúde pública vem primeiro, como se pode ver em três estados de emergência já decretados consecutivamente para manter as pessoas dentro de casa, cabana, cubículo ou barraca.
Portanto, se o Estado, da qual a CMP faz parte, exige hoje, em tempos de medidas excepcionais, que cada um permaneça em casa, mas não dá tecto, não se pode escandalizar, reprimir e condenar que quem não tenha um buraco onde cair improvise um quadrado para não ir preso ou pagar uma multa muito maior que a sua receita mensal e quiçá semestral.
Efectivamente, as construções clandestinas existem há muito na Praia e noutros concelhos. Na capital, claro, com maior densidade, pelo que devem ser combatidas. Só que há momentos. E este, em plena pandemia do coronavírus, não era de certeza o timing ideal para pôr na rua quem o Estado quer lá dentro de casa.
A Direcção,
Proponho por conseguinte q alguém q percebe bem de dinamização na rede social para obter meios (eu dou 1 000$) para aluguer de habitação pra senhora enqto o Governo e a CMP implementam as propostas acima.Urgente! Pq senão todas as pandemias continuarão a se destinar à cidade mais a mão!Por mais q nos doa dizer (e nos mate)!
Só para exemplificar, ainda há dias um organismo português, talvez impressionado com a paisagem acizentada e dantesca de parte da cintura da capital, atribuiu um financiamento para pintura de casas. Sabem para onde foi parar o financiamento?Quando no min devia-se colocar a cintura da Praia em posição de prioridade tb! O nau?
Vejam aquilo que aconteceu na encontra de Ponta D'Água, que, diga-se de passagem, é uma autêntica selva, aonde nem de bicicleta se consegue circular.
1-onde foi construído um bairro social da CMP para instalar os desalojados de casas clandestinas?
2- com tanto dinheiro ganho na venda de lotes de terreno, parte desses milhôes de contos devia ser investida na construção de casas sociais
3- todos nós somos contra casas clandestinas, bairros de lata, focos de mal-viver, infecções, epidemias, pouca higiene, etc.
Todos os cidadãos têm uma legítima aspiração e real necessidade de ter uma casa; um abrigo, por assim dizer. Mas se se vive num Estado de Direito, temos de respeitar o primado da lei.
- Qual foi o plano urbanístico que a CMP, ou outra qualquer do país, apresentou aos munícipes para poderem, legalmente, construir a sua casa, já que ninguém lhes dê outra alternativa.
Ninguém deseja construir clandestinamente. O problema é bem outro.
As Câmaras municipais não estão dotadas de meios técnicos e de espaços próprios para desenvolver uma cultura urbanística condigna para satisfazer as demandas do crescimento evolutivo citadino.
Pelas seguintes razões:
Falta de cérebros pensantes
Falta de terreno municipal, já que os terrenos pertencem aos defuntos e estão nas mãos do corruptos para lucrarem.
Incapacidade política e complacência em não resolver a questão de uma vez por toda.
Programa camarário, sempre eleitoralista.
Os fundos arrecadados são encaminhados,boa parte, para lugares errados.
Os presidentess e vereadores, que de citadino, nada percebem, fazem lijereza por tudo quanto é canto.
Indivíduos que só conheceram casas de banho só quando passaram a ser políticos de meia tigela, conseguem pensar num plano urbanístico citadino condigno?
Passaram a usar o papel higiénico, ficam confortados e se acham que são donos de tudo e podem decidir sobre os outros.
Enquanto permanecer essa pasmaceira vai haver construções clandestinas e demolições seguintes.
O estado de CV vive e sobrevive em terreno alheio.
Falta coragem política para tomadas de decisão capaz de pôr cobro a essa situação caricata que vivemos.
O povo tem que estar preparado para não cair na lábia dos larápios que se acham democráticos e que lutam para que isso não aconteça.
A verdade verdadeira é que a CMP não tem terreno na cidade, nem no subúrbio e pior ainda em quase todo o território do concelho.
O pouco que tinha, foi presenteado ao empresário amigo e os munícipes ficaram a ver o barco a passar!
A democracia caboverdiana nos serve apenas de consolo...