Nem sempre o que parece, é. Nem sempre o que é, parece. Uma meia verdade é mais perigosa que a mentira, diz a sabedoria popular.
Agora que a poeira parece assentar-se sobre o caso “agravamento das taxas aduaneiras sobre os lacticínios e seus derivados”, e o consequente envolvimento do vice-primeiro ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, neste processo, enquanto ex-administrador e accionista da principal beneficiária da norma – a Tecnicil -, importa atentar para a macabra tentação de estupidificação da nação por parte da classe política cabo-verdiana, quanto mais não seja para assegurar a saúde mental do país, enquanto Estado de Direito, constituído por homens e mulheres cientes dos seus direitos e deveres consagrados na lei.
Não restam dúvidas que Olavo Correia é o protagonista da proposta de agravamento das taxas aduaneiras sobre os lacticínios, aprovada em sede do orçamento do Estado para o corrente ano, concebida, segundo os seus argumentos, para proteger a indústria nacional. Ele que chegou a assegurar ao país que eventuais custos de tal medida não seriam repassados para o consumidor, e que o Governo tomaria medidas correctivas em casos de desvios dos objectivos previstos.
O argumento em si é aceitável, e até recomendável. O que já não são aceitáveis nem recomendáveis é a subida do preço do leite importado; a entrada imediata do leite e sumos no mercado nacional produzidos pela Tecnicil – dir-se-ia que tudo se encontrava previamente preparado, aguardando apenas a aprovação da medida -; e a ligação institucional daquele governante à referida empresa, como acionista e ex-administrador.
Estes factos, ocorridos em tempo record, levantaram suspeições e suscitaram questionamentos, sobretudo de ordem legal e ético, que requerem respostas e posicionamentos claros das instituições da República.
Ora, o vice-primeiro ministro e ministro das Finanças é um servidor público, ou funcionário público, como queiram, que é, por definição, todo aquele que mantém um vínculo com o Estado, e seus salários são suportados pelos impostos pagos pelos cidadãos.
Sendo um servidor público, que integra um órgão da administração pública, onde é pago com os impostos públicos e exerce uma função típica do Estado, o senhor Olavo Correia está vinculado a um conjunto de princípios e regras que regem a administração pública cabo-verdiana.
Na actual estrutura organizacional do Governo, ele ocupa o segundo lugar na hierarquia, logo a seguir ao primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, tutelando sectores centrais da gestão do Estado, como a economia, as finanças e a administração pública.
Esta posição confere ao nosso vice-primeiro ministro e ministro das Finanças responsabilidades acrescidas no quadro do programa de governação do país, devendo ser o guardião-mor dos valores éticos da função pública, previstos no artigo 7 da Lei nº 42/VII/2009, de 27 de Julho, a saber: “legalidade; finalidade; motivação; probidade e moralidade; imparcialidade; transparência; racionalidade; proporcionalidade; não discriminação; segurança jurídica; e responsabilidade profissional”.
Adiante. Este mesmo diploma legal vincula o senhor Olavo Correia, enquanto servidor público, às proibições éticas, previstas no artigo 39, designadamente: “a) Manter interesses em conflito, consistente em manter relações ou aceitar situações em cujo contexto os seus interesses pessoais, laborais, económicos ou financeiros possam entrar em conflito com o cumprimento dos deveres e funções a seu cargo; b) Obter vantagens indevidas, consistente em obter ou procurar benefícios, para si ou para outrem, mediante o uso de seu cargo, autoridade, influência ou aparência de influência; c) Realizar actividades de proselitismo político, consistente em realizar actividades políticas através da utilização de suas funções ou por intermédio da utilização de infraestruturas, bens, ou recursos públicos, a favor ou contra partidos, organizações políticas ou candidatos; d) Fazer mau uso de informação privilegiada, consistente em participar em transacções e operações financeiras, utilizando informação privilegiada da entidade a cujo serviço se encontram ou que poderiam ter acesso por causa do ou no exercício das suas funções, bem como permitir o uso impróprio de tal informação para beneficiar algum interessado; e) Pressionar, ameaçar e ou assediar, consistente em exercer pressões, fazer ameaças ou assédio sexual contra outros funcionários ou subordinados, que possam afectar a dignidade da pessoa ou induzir à realização de acções dolosas”.
Corria o ano de 2009 quando esta lei foi aprovada pelo parlamento. Já lá vão, portanto, 9 anos que ela se encontra em vigor, e ao que consta, nenhum dos seus dispositivos foi revogado até à presente data.
Neste contexto, resulta cristalino que o senhor Olavo Correia, no quadro das suas responsabilidades enquanto servidor público, deve explicar ao país o seu verdadeiro interesse neste negócio, no estrito cumprimento das leis da República, ciente de que o exemplo deve vir de cima.
Cabo Verde não pode aceitar esta macabra tentativa de estupidificação da nação, por ser manifestamente nociva ao interesse público, à afirmação da democracia e ao processo de desenvolvimento do país.
A direcção
Um membro de Governo que é engenheiro não pode tomar medidas que beneficie os profissionais de engenharia e o seu estatuto. Um membro de Governo que é professor ou professora fica inibido(a) de melhorar o estatuto do pessoal docente. Um membro de Governo que é juiz ou advogado fica limitado ab initio porque qualquer diploma legal tem efeito directo na sua profissão. Tem de sair do Conselho sempre que se aprovam diplomas legais. O Presidente da República se receber um decreto da Assembleia Nacional que melhora o estatuto dos ex-Presidentes da República não pode promulgá-lo porque faltam dois anos para a conclusão do mandato.
A fazer fé nessa lógica nem os desempregados podem ser membros do Governo porque se estiverem num Conselho de Ministros onde se discute o desemprego e se tomam medidas para a sua eliminação está a por em causa os seus interesses e há o tal conflito de interesses. Minha gente pensar não custa. Custa é ver a ignorância campear. Só um embriólogo.
O que escreveu e que está plasmado nas leis da república trata-se de favorecimento claro da pessoa do vice primeiro ministro neste negócio. A uma empresa dele. É disto que se fala. nada de profissionalismo, ele no exercício das suas funções é um servidor público, ou não é?
Espero que isto não venha a ter um fim pior as dos lançamentos dos livros.
Temos que ter a noção o que é governar.
Se um desempregado estiver como ministro em um conselho de ministros, já não é um desempregado meu irmão.
Sejamos sensatos e lê o título deste editorial.
Há vários anos que a Tecnicil tem linhas produção para sumos e leite adquiridas e prontas a funcionar. Ora, num mercado com dois players se um não faz o outro aproveita e executa. Na vejo onde entra a pessoa do Vice-Primeiro-Ministro em relação a uma medida desejada e querida por todos, aplaudida pela organizações patronais e politicamente sustentada pelo Paicv que, à saída de uma visita, a líder anunciou que se o Governo não avançassse com a medida seria o Paicv a tomar iniciativa legislativa na matéria.